‘Sempre dizem que não estamos preparadas’, lamenta Ana Patrícia sobre política da OAB

Movida por sonhos e projetos para a advocacia, a advogada Ana Patrícia Dantas Leão quer presidir a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA). Atualmente, ela é vice-presidente da instituição, e ao Bahia Notícias conta que decidiu romper com o grupo que pertencia por não se sentir mais parte do projeto político delineado para a Ordem baiana.

O rompimento de Ana Patrícia foi anunciado no mês de julho e entrou para a história da instituição por pautar uma eleição marcada pela candidatura de mulheres ao posto de presidente da entidade. Em 90 anos, a OAB da Bahia ainda não foi presidida por uma mulher, mas no próximo ano isso pode mudar.

Ana afirma que o rompimento foi apoiado por um grupo de advogados insatisfeitos com a atual gestão. “Na nossa compreensão, os projetos mudaram, e com essas mudanças, eu não me sentia mais parte da Ordem. Deixei de me sentir parte daquele projeto. E por uma questão de compromisso com minha trajetória e com a advocacia, eu não quis prestar o meu nome e a minha imagem para um projeto que não acredito mais”, declara. A vice-presidente enfatiza que cultiva carinho e respeito por todos aqueles que estiveram ao lado dela em 9 anos participando da atual gestão, mas pontua que esse era o momento de seguir seu próprio caminho e esse desejo surgiu para não ter mais uma participação simbólica como mulher em uma instituição masculinizada.

“Eu sempre tentei colocar dentro do grupo que as mulheres tivessem posição para além do símbolo e desde a gestão passada coloquei meu nome como possível candidata a presidente no grupo”, conta Ana Patrícia. Entretanto, essa tentativa teria sido dificultada diante de um projeto que caminhava para a reeleição de Fabrício Castro, atual presidente da Ordem. “Existe uma ordem pré-estabelecida de sucessão e, nesta ordem, as mulheres nunca chegam aos cargos de poder político. A OAB é sempre masculinizada e as mulheres sempre ficam como vice, como conselheiras, mas as decisões políticas ainda estão nas mãos dos homens. Sempre dizem que nós não estamos suficientemente preparadas. Nunca é nossa vez”, contextualiza a vice-presidente da OAB da Bahia.

Ela lembra que, há nove anos, havia apenas nove mulheres na gestão da Ordem, e que essas mulheres trabalharam muito para ampliar a participação feminina nos quadros da instituição. “Em 2015, nossa participação cresceu na Ordem e nós promovemos diversas mudanças na advocacia. Tanto que em 2018 tivemos a paridade de gênero nas eleições”, aponta. A chapa que ela participava era composta por 50% de mulheres. “Eu me sinto capacitada para disputar esse espaço e ser mulher é apenas um plus nessa questão. Estando dentro do projeto e me sentindo tão qualificada quanto os valorosos colegas, não seria possível nem razoável, na minha percepção, que as mulheres continuassem sendo preteridas. Eu entendo que tenho a força necessária para fazer a representação que a advocacia necessita nesse momento”, declara Ana Patrícia.

Para ela, este é o momento mais crítico que a advocacia baiana enfrenta, devido à crise sanitária da pandemia da Covid-19, com a abertura parcial do Judiciário e audiências virtuais que não atendem a necessidade da população. “Nós precisamos de uma OAB que seja muito mais de escuta, de ação, de enfrentamento, do que uma OAB só de nota de repúdio”, frisa. Ela acredita que somente através de um “pacto pela Justiça” com o Executivo e Legislativo baiano é que a Bahia conseguirá sair da crise do Judiciário.

“Acredito que podemos tratar das prerrogativas diariamente, mas se não reestruturamos o Judiciário, vamos enxugar gelo, as violações só aumentarão. Temos a fonte de pagamento de custeio e arrecadação, oriunda de custas processuais e, por lei, não podem ser utilizados para pagar servidores e juízes. Mas se o óbice é legal, vamos atacar essa lei e criar mecanismos temporários para reverter esses recursos que podem ser usados para fazer obras no tribunal, trocar frota de carros, mas que não podem ser utilizados para custear servidores”, explana. Na Justiça do Trabalho, ela também frisa que a advocacia enfrenta problemas seríssimos desde a Reforma Trabalhista. “A Justiça do Trabalho se distancia cada vez mais da população e fechou as portas para a advocacia. A realização de audiências híbridas é um problema. Partes e advogados participam presencialmente enquanto o servidor e o juiz estão remotos. Qual mensagem que isso deixa para a população? Que os juízes estão em uma condição de privilégio? Se não há segurança para juízes, também não há para as partes e advogados”, questiona.

Por ter feito parte da atual gestão e do grupo que a compôs nos últimos nove anos, Ana Patrícia reconhece os acertos e mudanças que ocorreram, mas avalia que houve uma redução na capacidade de enfrentamento da OAB. “Até 2018, a gestão acertou muito, mas no último triênio se apequenou”. Ela também critica o foco que a gestão deu em projetos individuais, como na candidatura de Luiz Viana para presidente da OAB nacional. “Projetos individuais brotaram e tomaram corpo, chamando mais a atenção, sem lembrar que  o projeto da OAB é a advocacia”, pondera.

Nos últimos dias, adversários políticos começaram a propagar informações de que Ana Patrícia seria bolsonarista, o que ela nega. “Eu sou tão tranquila com minha trajetória e consciente de que estou muito preparada para tudo que virá a partir da decisão que tomei. Ter a coragem de romper, e ter coragem de a partir de agora seguir uma trajetória com quem eu acredito, com propósitos para realizar, isso desagrada muito, as pessoas se sentem pessoalmente e politicamente ofendidas. Diversos ataques estão sendo direcionados a mim. A minha trajetória falará por mim. Eu não sou bolsonarista”, frisa.

Ainda assim ela sabe que, mesmo sem querer, foi um marco na história da OAB. “Eu ousei, eu tive coragem, sem temer as consequências mais fortes do meu movimento, mas se eu acredito que é necessário dar nosso melhor, eu tinha que fazer isso: sem pretender ser marco, estamos mudando a história da advocacia. É difícil ser independente, pois somos taxadas de traidoras, mas eu quero deixar um legado de honra e luta para minha filha, para que ela nunca seja subserviente, e um legado para a advocacia de luta”, finaliza. Ana Patrícia Dantas Leão | Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias.