Quer ser político? Assuma seu próprio passado e seus erros

Atenção! Tentar ser uma figura pública automaticamente autoriza que sua vida pregressa seja vasculhada pelos eleitores e pela imprensa. Quer dizer, era assim até bem pouco tempo. No entanto, está cada vez mais difícil lidar com esse papel. Depois do advento das fake news e da naturalização delas no ambiente político, qualquer conteúdo que não seja favorável a um candidato ou a um político é classificado automaticamente como algo não publicável. Tem horas que dá vontade de rasgar o diploma. Aliás nem diploma é mais necessário para o exercício profissional, já que o ministro Gilmar Mendes desobrigou a formação em Jornalismo.

Esta coluna é um desabafo, mas também pode servir como um importante alerta do quão está sendo complicado divulgar conteúdos apurados profissionalmente e comprovados com documentos, já que as figuras que querem ser públicas não aceitam o escrutínio público. Lembro-me de quando iniciei no jornalismo, na Tribuna da Bahia, e fui ameaçado de processo porque citei um candidato cujo nome nas urnas era Chapeuzinho. Para ele, foi uma afronta perguntar se era uma referência à personagem dos contos de fada. O processo nunca chegou à Justiça, mas ficou marcado como o prenúncio do que estava por vir.

Há uma função social em informar e dar guarida para que a população tome decisões. Isso também é válido no processo de construção do voto. Você, leitor e eleitor, tem o direito de concordar ou não com o conteúdo publicado. Tem o direito de criticar e fazer uma reflexão sobre o que ouve, lê ou assiste. Porém esse direito deveria ser inalienável. Não tem sido uma constante com tantos pedidos de remoção de conteúdo ou até mesmo para impedir a divulgação de matérias por contrariarem interesses de outrem. A imprensa existe para desagradar poderosos. Mas, com cada vez mais frequência, é alvo de linchamento público por fazê-lo.

Em alguns momentos, esses ataques acabam endossados pela Justiça. Ou pela omissão ou por discordar do posicionamento – algumas vezes político – dos veículos de imprensa. É uma espiral de silêncio que aponta como caminho uma cobertura cada vez mais uniforme e com menos vozes dissonantes. Não dá para conviver com a imprensa sob ameaça constante, pois o papel institucional dela é parte da existência da própria democracia como a conhecemos. E gera o ambiente de desinformação, que utiliza subterfúgios da internet para massificar mentiras e mais mentiras, contra o interesse público.

Para quem deseja ser vereador, prefeito, deputado, governador, senador ou presidente da República, passar pelo crivo da imprensa e da população é parte da rotina. Desejar o contrário é censura. E um passo delicado para uma autocracia. Parabéns aos envolvidos! Foto: Cláudia Cardozo/ Bahia Notícias.