“Rouanet eu quero, Rouanet eu quero, na Rouanet eu quero mamar, me dá dinheiro, me dá dinheiro porque senão vou chorar”. Foi assim que o atual secretário especial da cultura do governo Jair Bolsonaro, Mário Frias, comunicou as novas alterações efetuadas na Lei Rouanet e publicadas no Diário Oficial da União.
Apesar da fala irônica, o professor Adriano de Oliveira Sampaio afirma que a ideia de que se pode arrecadar quantias vultosas por meio da Lei de Incentivo à Cultura configura uma falácia. Além disso, o docente da Faculdade de Comunicação da Ufba considera a abordagem dada ao tema muito desqualificada.
“A empresa, ou a pessoa jurídica que for patrocinar o projeto cultural, só pode deduzir 4% do imposto de renda a pagar, e no caso de pessoa física, que somos nós, apenas 6%”, explicou o acadêmico em entrevista ao Portal A TARDE. Adriano Sampaio ainda levanta uma questão relevante para o debate: “o que o governo faz com os outros 94%?”
Para a produtora cultural e mestranda no programa de pós-cultura da Ufba, Joelma Stella, “a Lei Rouanet é bem polêmica, já gerou muitos debates no país, inclusive por pessoas que não compreendem como ela funciona, e utilizam de argumento pra dizer que ela é uma lei de mamata dos artistas”.
Origens da Lei
Com o surgimento da Nova República, foram inúmeras as mudanças necessárias para restabelecer instituições democráticas no país. Ainda no governo de José Sarney, um novo dispositivo de incentivo à cultura foi instituído no Brasil. A Lei Sarney (Lei 7.505/86) vigorou até 1990 e possibilitou que fossem descontados do Imposto de Renda as doações, patrocínios e investimentos em cultura, em alíquotas que, respectivamente, compreendiam 100, 80 e 50% do valor repassado.
Durante o governo Collor, a Lei Sarney deu espaço à Lei Federal de Incentivo à Cultura (Nº 8.313/1991), popularmente conhecida como Lei Rouanet. Sancionado em 1991, o novo modelo de fomento cultural foi um projeto liderado pelo então secretário de cultura, Sérgio Paulo Rouanet, que, em linhas gerais, oficializava o mecenato como método.
Passadas três décadas e inúmeras mudanças ao longo das gestões, a Lei se encontra, atualmente, como instrumento de conflito entre produtores culturais, artistas e o governo federal. Segundo a produtora Joelma Stella, houve uma mudança de abordagem na relação existente entre os proponentes e o órgão responsável.
“Apesar de todas essas críticas, ela é uma lei de mecenato que funcionava e que tinha autonomia de que, se você preenchesse todo o cadastro dentro dos critérios do sistema e conseguisse o patrocínio, você realizava seu projeto sem interferência governamental. A partir de agora, esses projetos passam a sofrer uma censura, e só podem ser realizados e captados se forem previamente aprovados pelo governo federal. Então, é o governo que vai dizer se pode ou se não pode.”
O produtor executivo do Festival de Jazz do Capão, Tiago Tao, foi surpreendido, em 2021, com a negação do pedido de apoio para a 7ª edição do evento, que ocorre na Chapada Diamantina. A Fundação Nacional das Artes (Funarte), ao avaliar a solicitação, disse que havia “risco à malversação do recurso público“, e ainda usou o nome de Deus como argumento técnico, ao dizer que “o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”, atribuindo o trecho ao músico alemão Johann Sebastian Bach.
Toda a questão se deu a partir de uma publicação nas redes socais do Festival, feita em 1º de junho de 2020, com os dizeres: “não podemos aceitar o fascismo, o racismo e nenhuma forma de opressão e preconceito”. A realização do evento só foi possível com o apoio financeiro do escritor Paulo Coelho.
Para Tiago, este foi “um caso grave de censura contra a liberdade artística e mais um atentado à arte, à cultura e ao bem estar da população brasileira”. O produtor executivo ainda considera que “a lei, desde a sua criação, precisou ser atualizada, porque a dinâmica do mercado impõe novas variantes”.
Afinal, o que mudou?
A nova Instrução Normativa (IN), oficializada em 8 de fevereiro, estabelece redução de 50% no limite da captação de recursos para projetos enquadrados na categoria “normal”. O valor, que era de R$1 milhão, passa a ser de R$ 500 mil. Para os projetos considerados do tipo “singular”, a exemplo de desfiles festivos, eventos literários, exposições de artes e festivais, o valor fica limitado a R$ 4 milhões. E as propostas classificadas como “específicas”, que são os concertos sinfônicos, datas comemorativas nacionais, educativos e ações de capacitação cultural, tiveram o valor máximo ajustado em R$ 6 milhões. Já os projetos qualificados como “especiais”, que englobam os planos anuais, conservação, construção e implantação de equipamentos culturais, não possuem limites para os valores arrecadados.
Estão vetadas as propostas que têm patrocínio por mais de 2 anos consecutivos em projetos de um mesmo proponente (planos plurianuais), o que impacta diretamente em iniciativas que visam a manutenção de espaços, sobretudo os museus. Outra mudança relevante foi a redução no cachê de artistas individuais, reajustado em R$ 3 mil, músico de orquestra R$ 3.500, maestro R$ 15 mil, direitos autorais R$ 10 mil, ECAD R$ 5 mil e aluguel de teatro ou salas de apresentação até R$ 10 mil.
O produtor executivo Tiago Tao é veemente em sua manifestação. “Esse cachê diz muito de como esse governo enxerga a cultura, uma cultura não profissional, de amadores. Não tenho como pagar um artista de renome nacional e internacional com R$ 3 mil”.
Este entendimento corrobora com a posição do professor Adriano Sampaio, ao afirmar que esta alteração “limita a ação dos agentes culturais”. Para o pesquisador, não há embasamento para os tetos orçamentários estabelecidos: “Como é que você vai julgar isso? Depende muito do próprio território onde a pessoa está envolvida; depende também do segmento cultural, do período em que o projeto vai ser aplicado. Então, tem uma série de variáveis que essa tabela não contempla.”
Uma alteração estrutural nos novos rumos da legislação diz respeito à delimit
Até o momento, o portal VerSalic indica que os projetos submetidos à avaliação em 2022 possuem valores que vão desde dezenas de milhares até mesmo milhões de reais. As propostas que têm caráter artístico-culturais lideram os aprovados deste ano. Iniciativas relacionadas à produção musical constituem a maior parcela das submissões, tendo como companhia produções ligadas ao audiovisual e às artes cênicas.
A diretora do projeto SACI – Semana de Animação e Cinema Infantil, Isadora Flores, ressaltou a importância de “assegurar os direitos culturais da população”, e considerou que a Rouanet “é uma lei abrangente, que não deve ter análise de mérito artístico, que está previsto na lei, somente garantir o caráter cultural, que é o que a lei se propõe a realizar”.
ação do setor profissional dos proponentes, que deverão ter experiência comprovada na área cultural. De acordo com os dados levantados pela plataforma Simbiose Social, em um universo de 6.174 projetos aptos para captação, 2.928 proponentes possuem CNPJ diferentes do requerido. Estes números indicam que 31% dos projetos estão sendo diretamente impactados pelas medidas atuais.
Projeções futuras
Até o momento, o portal VerSalic indica que os projetos submetidos à avaliação em 2022 possuem valores que vão desde dezenas de milhares até mesmo milhões de reais. As propostas que têm caráter artístico-culturais lideram os aprovados deste ano. Iniciativas relacionadas à produção musical constituem a maior parcela das submissões, tendo como companhia produções ligadas ao audiovisual e às artes cênicas.
A diretora do projeto SACI – Semana de Animação e Cinema Infantil, Isadora Flores, ressaltou a importância de “assegurar os direitos culturais da população”, e considerou que a Rouanet “é uma lei abrangente, que não deve ter análise de mérito artístico, que está previsto na lei, somente garantir o caráter cultural, que é o que a lei se propõe a realizar”.
Contemplado agora em 2022, o SACI é um Festival Internacional de Cinema Infantil que busca exibir produções cinematográficas de todo o mundo. A primeira edição do projeto aconteceu de modo híbrido, com projeções virtuais e presenciais, sendo que esta última ocorreu em Curitiba-PR.
Então, qualquer pessoa tem o direito de inscrever seu projeto, tanto pessoa física quanto jurídica, e fazer uma proposta cultural para lei federal de incentivo à cultura, sem distinções. O tema é polêmico e divide opiniões, dentro e fora do setor da cultura.
Para a produtora Joelma Stella, “a crítica da classe cultural sempre foi nesse sentido, de que a lei excluía uma parcela significativa dos trabalhadores da cultura, que não são celebridades, ou que não são grandes empresas de teatro que montam musicais em São Paulo”.
De acordo com o secretário de Cultura, Mario Frias, a nova Instrução Normativa tem o objetivo de tornar a Lei Rouanet “mais justa e popular”. A deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), presidente da Comissão de Cultura da Câmara, apresentou um projeto na última terça-feira, 15, para suspender os efeitos da Instrução Normativa SECULT/MTRU nº 1 da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo.
Para a deputada, as modificações traduzem um verdadeiro retrocesso e distorcem o espírito da Lei de Incentivo à Cultura, dificultando o trabalho de artistas, produtores e gestores culturais. “Várias ações do atual governo demonstram deliberadamente a clara intenção de se promover verdadeiro desmonte institucional dos órgãos da área da cultura e aos marcos regulatórios do setor. Paralelo a isso, numa demonstração de verdadeira “guerra cultural”, ocorre uma criminalização de artistas e de seu nobre ofício, bem como o cerceamento da liberdade de expressão artística, com a não liberação de projetos culturais incentivados pela Lei Rouanet que não estejam em consonância com os preceitos ideológicos do governo. Sem falar na total falta de sensibilidade política desse governo que desconsidera o fato de que estamos ainda em plena pandemia da Covid-19 e que um dos setores mais atingidos por essa crise sanitária foi exatamente o da Cultura”, afirmou Alice.A cultura sofre, à mercê das disputas burocráticas –