Flamengo e Fluminense farão uma última decisão, valendo o título do Campeonato Carioca 2020, nesta quarta-feira, às 21h, no Maracanã, ainda sem público. O rubro-negro tem a vantagem do empate por ter vencido o primeiro jogo por 2 a 1, e o Fluminense precisará vencer por um gol de diferença para levar a disputa novamente aos pênaltis.
Nos últimos dois jogos, times bem diferentes do que você estava acostumado. Você percebeu que:
- O Flamengo teve mais dificuldades que o normal na final da Taça Rio e oscilou no primeiro jogo da final, principalmente no segundo tempo?
- O Fluminense jogou melhor do que vinha antes da pandemia e conseguiu explorar alguns pontos em seu adversário (ainda que tenha perdido o primeiro jogo)?
Então vamos detalhar o que aconteceu dentro de campo, no jogo, e como os dois times podem lançar estratégias para enfim chegar ao título:
Fluminense usa estratégia para encaixotar o Flamengo e evitar que Pedro e Gabigol recebessem passes
Todo mundo sabe que o Flamengo é o melhor time do Brasil. Tem horas que “não dá”, como o lateral do Boavista fala: é uma equipe que toca rápido a bola, chega muitas vezes no gol e tem diversas alternativas táticas. O Fluminense tinha isso em mente e bolou um plano para anular os toques rápidos e evitar que a bola chegasse em quem sempre faz a diferença.
Primeiro é preciso entender como o Flamengo joga. O time de Jorge Jesus faz uma espécie de 3-3-4 com a posse de bola. São três zonas diferentes: zagueiros e Arão + Gérson e laterais + quarteto ofensivo. Você já viu o Flamengo do Setor Norte no Maracanã ou das cadeiras superiores? Então sabe bem como esse desenho é bem frequente. Inclusive, o movimento que o Willian Arão faz tem nome: é a saída de três. Criada por Ricardo La Volpe na década de 1990, ela ficou popular com Pep Guardiola e hoje o mundo inteiro pratica – você entende com bastante detalhes nesse texto aqui.
O 3-3-4 do Flamengo com a posse de bola — Foto: Reprodução FluTV
O Fla não faz assim porque é bonitinho. Tem toda uma intenção por trás: chamar o adversário pra marcar Arão e Diego e desproteger a defesa, tirando gente da cola do Gabigol, Arrasca, Éverton e B. Henrique e deixando eles livres para driblarem e fazerem a diferença. É matemática: o outro lado sobe a marcação e deixa o Gabigol só com um zagueiro. O Fluminense não queria que isso acontecesse, por isso deixou o Fla subir até seu campo. Deu espaço para Willian Arão ficar com a bola.
Fluminense dá espaço e campo para o Flamengo — Foto: Reprodução FluTV
A ideia era começar a marcação em três jogadores: Diego, Filipe Luís e Rafinha. Eles fazem a ligação entre o meio e o ataque. É quem coloca Gabigol e cia para correr e bagunçar a zaga adversária. Marcar bem poderia evitar que a bola chegasse a eles. Por isso o Flu lançou mão da estratégia dos encaixes: a marcação toma como referência seu adversário e vai encaixotando o setor da bola, como um verdadeiro lego, para deixar não apenas o adversário, mas também quem está próximo sem condições de tocar a bola. Veja o encaixe feito no Diego aqui.
Diego marcado de perto. Opções de passe ao seu redor também estão fechadas — Foto: Reprodução FluTV
E na imagem abaixo, o encaixe feito no Arrascaeta. Se coloca na mente do jogador: como o Arrascaeta passa a bola com um cara grudado nele, um outro imediatamente atrás para dar cobertura e dois companheiros (Pedro e Filipe Luís) também marcados? Difícil, não? Traçando linha imaginária, observe que tem quatro do Flu contra três do Fla: isso é superioridade numérica. Todo mundo colado no adversário pra evitar um passe de primeira e um toque rápido. Só afasta a bola do gol e gasta tempo.
Encaixe no Arrascaeta — Foto: Reprodução FluTV
O encaixe de marcação deixa alguns riscos para o time: veja as imagens e perceba que Pedro e Gabigol muitas vezes estão sozinhos ou só com um zagueiro em torno dele. É proposital. Se o time corta o problema pela raiz, que é o passe, não tem como alguém receber ou aproveitar o espaço vazio de surpresa.
Sabe o que é legal? Esse tipo de marcação surgiu exatamente no Fluminense, no Carioca de 1951. O técnico Zezé Moreira queria um jeito de fazer Ademir de Menezes, do Vasco, não receber sozinho a bola. O Flu marcava tão bem que ganhou o Carioca com o apelido de “Timinho”. Os encaixes de marcação viraram tradição no futebol brasileiro e foram propagados por dois pontas habilidosos e de grande consciência tática naquele ano de 1951. Um deles era o Telê Santana. O outro era o Zagallo. Precisa falar mais alguma coisa?
Flamengo sai dos encaixes com toques rápidos e de primeira
Os encaixes que o Flu fez ajudam a explicar a dificuldade que o Flamengo teve nos dois jogos. Só que o Flamengo é um time tão bom e tão bem treinado que tem suas cartas na manga para lidar com situações adversárias. No lance do primeiro gol, esse coringa foi o passe de primeira.
Quando um jogador recebe a bola do companheiro, ele vira a parte lateral do pé e domina a bola antes de colocar força para fazer o passe. O toque de primeira corta etapas. O jogador só coloca o pé uma vez na bola. Fazer isso é MUITO difícil: para que o passe de primeira seja certeiro, tem que calcular a força exata no pé e botar o movimento certinho na perna pra alcançar a bola. Tente fazer isso…é muito difícil e raro acertar assim.
Na origem do gol, quem recebe a bola é o Vitinho. Ele é encaixado por três, então dá um giro mais recuado e olha para a esquerda do campo, onde está menos congestionado. O passe do Vitinho foi muito importante porque fez o que se chama de “tirar a bola da pressão”, clareou e levou a jogada a uma zona muito mais livre no campo. Foi um passe de organização, mas ainda sim não foi o passe que desorganizou a defesa do Fluminense.