“Um novo modelo de Judiciário foi formatado com a pandemia”, diz Lourival Trindade” (A Tarde)
O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Lourival Almeida Trindade, assumiu o comando da Corte em meio a uma das maiores crises do judiciário baiano, onde desembargadores e juízes foram presos, acusados de negociar a venda de sentenças.
Hoje, com os magistrados réus do STJ, o presidente tenta resgatar a imagem da Corte, dando um choque de gestão e otimizando a capacidade gerencial do TJ-BA. Ao todo, R$100 milhões foram economizados do orçamento desse ano, o que permitirá investimentos e a melhoria da estrutura do Poder.
Para o desembargador Lourival Trindade, a pandemia criou a oportunidade de construir um novo modelo de gestão, retirando gargalos e aproximando o judiciário da população. “As inovações, surgidas após a pandemia, promoveram a transformação de rotinas em todas as áreas do Judiciário”. Ele é enfático ainda ao afirmar que, “na quadra histórica em que vivemos, não há espaço para quaisquer autoritarismos”, ao se referir à crise estabelecida entre o STF e o presidente Jair Bolsonaro.
A falta de recursos sempre foi um problema do Judiciário baiano. No entanto, a gestão do senhor conseguiu economizar R$100 milhões no orçamento de 2020. Como avalia?
Durante a transição, designamos uma equipe para fazer um diagnóstico da situação financeira e estrutural do Poder Judiciário da Bahia. Essa equipe constatou que o orçamento de custeio e investimento, para o ano de 2020, era deficitário. Consequentemente, desde o início da gestão, em fevereiro deste ano, e, portanto, antes mesmo do advento desta tenebrosa pandemia, que é o coronavírus, nossa gestão procurou adotar medidas de austeridade, de referência ao gasto público. Tanto assim que, em apenas 40 dias de gestão, tivemos resultados positivos, no que tange ao contingenciamento de despesas. Durante estes tempos catastróficos da pandemia, foram promovidas ações coordenadas, entre todas as Secretarias do Tribunal, visando à revisão dos contratos de prestação de serviços, buscando a redução, racionalização, contingenciamento, contenção, monitoramento e controle das despesas de pessoal para fazer frente ao cenário adverso, que recaiu sobre as receitas. O resultado foi alvissareiro, pois fizemos uma economia, até agora, estimada, em R$ 100 milhões, neste ano de 2020. Há, inclusive, uma expectativa de que esse número aumente, uma vez que novas ações vêm sendo realizadas, diariamente, possibilitando o equilíbrio das contas, apesar da queda na arrecadação, motivada pela pandemia do coronavírus. Certamente, esse enxugamento trará ótimos frutos e viabilizará, nos próximos anos, mais investimentos, na melhoria da estrutura do Poder Judiciário.
Que avaliação o senhor faz da pandemia e o impacto sobre o Judiciário da Bahia?
A pandemia foi um evento que atingiu, catastroficamente, todo o planeta, modificando, completamente, todos os setores da vida das pessoas. Desde as mais corriqueiras rotinas e hábitos pessoais, até o impacto desastroso, na economia e finanças, do mundo globalizado. Evidentemente, que nosso Judiciário baiano não ficou incólume aos efeitos dessa terrível praga. A arrecadação diária chegou a cair, em determinados momentos, 70%, em relação ao período pré-pandêmico. Não seria, portanto, mais possível, o funcionamento do Judiciário, segundo o modelo anterior. Diante desse quadro, com o objetivo de preservar a vida de juízes, servidores, estagiários, terceirizados e todos os demais colaboradores do Poder Judiciário da Bahia, a administração procurou ser ágil, editando vários atos normativos, para o enfrentamento deste cenário de crise. O principal deles foi editado, determinando a adoção de regime extraordinário de teletrabalho para todas as unidades de nosso Judiciário. Também, foi viabilizada, rapidamente, a realização de audiências e sessões de julgamento, de forma virtual. Um novo modelo de Judiciário foi formatado, em pouquíssimo tempo, de um ineditismo, sem igual, cujo êxito ficou comprovado. As inovações, surgidas após a pandemia, promoveram transformação de algumas rotinas, em todas as áreas do Judiciário, que se perpetuarão, por terem demonstrado alta eficácia. Experiências, como o aumento da produtividade, em razão do teletrabalho e a realização de reuniões produtivas, por videoconferências. Além disso, a racionalização e a diminuição dos custos com viagens, têm sido, muito positivas, e, portanto, devem continuar sendo utilizadas, mesmo quando, finalmente, advier o tão almejado fim desta pandemia.
O Judiciário sempre foi alvo de críticas devido à sua morosidade. No entanto, tem sido feito um esforço enorme para retirar esses gargalos e digitalizar os processos. Como o senhor avalia?
A adoção do processo judicial eletrônico é uma ferramenta essencial para a melhoria da celeridade processual, além de facilitar o acesso à justiça. O Judiciário baiano vem empreendendo um esforço hercúleo para digitalizar todo o acervo físico de suas unidades. Para isso, estabelecemos, como meta, ultimar esse projeto, em dezembro de 2021, com a virtualização total, no Estado, e com adoção de um sistema único, o PJE, o que facilitará, sobremodo, a atuação de todos os participantes, no processo. Além disso, os magistrados e servidores têm- se desdobrado, no seu labor cotidiano, visando à redução do estoque de processos e, apesar da pandemia, estão realizando um trabalho profícuo, com elevadíssima produtividade, tanto que o TJBA é o primeiro colocado, na prolação de sentenças, entre os tribunais de médio porte, neste período de teletrabalho. O trabalho, em busca de novas soluções, não para. Criamos o Labjus – Laboratório de Inovação do Poder Judiciário, que será responsável pela prospecção de novas ferramentas, na área de tecnologia da informação, como o uso de inteligência artificial, inclusive, através de parcerias com instituições de ensino. Há, ainda, a atuação de grupos de saneamento, em parceria com as Corregedorias e diversos outros projetos, que se encontram, em fase de planejamento, para implementação, assim que a pandemia cessar. Praza aos céus que seja rapidamente. Temos que crer que tudo passa sobre a Terra. Pertenço a uma geração que se recusa a fazer o luto de suas utopias, lembrando o que disse Luís Alberto Warat. Guardo, dentro de mim, certo otimismo militante, buscando manter a aliança da utopia “com todas as auroras da vida.”
Quando voltam os prazos físicos dos processos no TJ-BA?
Ainda é prematuro assegurar uma data para o retorno dos prazos dos processos físicos, em decorrência da indefinição, ainda existente, de uma estabilização da pandemia. A matéria está sendo, amplamente, discutida com todos os interessados e os trabalhos vêm sendo coordenados por um comitê. Já foram realizadas reuniões, marcadas pelo espírito de colaboração de todos os atores do Poder Judiciário. Também, foi realizada reunião, virtualmente, dia 3 de julho, em que foi apresentado um protocolo para o retorno das atividades presenciais, no âmbito do nosso Poder Judiciário baiano.
A reunião contou com a presença dos sindicatos, entidades representativas dos magistrados e advogados, do Ministério Público, Defensoria Pública, membros da administração do Tribunal de Justiça e a presidente do Comitê de Atenção de Saúde, desembargadora Pilar. O início da retomada foi proposto para 1º de agosto pelo Comitê de Saúde, em seu protocolo, mas – claro- só será possível, caso haja as condições necessárias e seguras para o retorno às atividades presenciais. Para tanto, o Tribunal solicitou um parecer à Secretaria de Saúde do Estado, com a qual já foi realizada uma reunião, a qual o cenário pandêmico foi apresentado por uma equipe técnica.
O plano de retorno gradual das atividades presenciais, portanto, deverá ocorrer, em 4 fases: a primeira, já em andamento, é a compra de EPIs e adequação dos ambientes, nas 204 comarcas do estado; a segunda, o retorno do trabalho presencial dos servidores, com 30% do efetivo, com expediente reduzido, de 9h às 15h, em sistema de rodízio, pelo período de uma semana, mantido o teletrabalho dos demais servidores e servidoras. A terceira, atendimento a advogados e partes dos processos, naqueles casos em que não é possível o atendimento virtual, sendo limitado o acesso de pessoas ao número mínimo; a quarta, a retomada das audiências presenciais, também, com número de entes reduzido.
O senhor tem uma atuação muito grande na área penal. Que avaliação o senhor faz sobre o trabalho do TJ?
O olhar de avaliação, que faço, agora, parte de um novo ângulo de vista, ou seja, como gestor e não mais como julgador criminal. E minha avaliação, apesar destes tempos sombrios e tenebrosos, que ora vivemos, é de otimismo. Haveremos de transpor todos os obstáculos. E já transpusemos muitos. Basta seja vista e avaliada nossa produtividade, no cenário de comparação, com os demais Tribunais brasileiros. Parafraseando-se Charles Dickens, romancista inglês, da era vitoriana, se estamos vivendo o pior dos tempos, a estação das trevas, o inverno do desespero, acreditemos na chegada da primavera da esperança. Diante do cenário pandêmico atual, lembremo-nos, ainda, do otimismo, grafado pela pena elegante de Victor Hugo:” o inverno cobre a minha cabeça, mas uma eterna primavera vive em meu coração.”
Desembargadores baianos se tornam réus no STJ sob suspeita de vender decisões judiciais. Como o senhor avalia?
Não posso emitir qualquer opinião, à luz do que diz a Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN- sobre processo pendente de julgamento. E os que foram objeto da pergunta estão pendentes de julgamento, em curso no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Como o senhor avalia a crise estabelecida entre o presidente Bolsonaro e o STF? Há interferência entre os poderes?
Tais manifestações, da forma como teriam ocorrido, não passaram de meros arroubos autoritários, sem representarem qualquer interferência, no STF. Até porque a independência dos Poderes da República, apesar de serem estes harmônicos, entre si, tem status de dignidade constitucional, sendo inadmissível, portanto, a mais mínima ingerência, por parte de qualquer um deles.
Vivemos algum risco à democracia?
De modo algum, nossa democracia, apesar da sua pouca idade histórica, encontra-se consolidada, a partir de nossa Constituição de 88. Seus pilares são inabaláveis. Aliás, na quadra histórica em que vivemos, não há espaço para quaisquer autoritarismos. Foto, Raul Spinassé. Matéria, A TARDE.