O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, visita a Índia entre segunda e terça-feira (24 e 25) em plena campanha para a reeleição. A agenda é considerada estratégica: 2,4 milhões de eleitores estadunidenses têm origem indiana. O primeiro-ministro Narendra Modi, também de extrema direita, é um dos líderes internacionais mais próximos da Casa Branca. Há menos de um mês, ele recebeu Jair Bolsonaro (sem partido) e firmou 15 acordos de cooperação.
Os encontros frequentes de Modi com chefes de Estado com quem tem afinidade ideológica são uma tentativa de reforçar sua legitimidade internacional, segundo analistas. Além da desaceleração da economia, a Índia vive um momento de instabilidade política por conta de uma emenda à lei de cidadania (CAA, na sigla em inglês) assinada no fim de 2019. A mudança nas regras, que discrimina a população muçulmana, gerou protestos dentro e fora do país. Pelo menos 20 manifestantes contrários à emenda foram assassinados.
Há três semanas, a revista britânica The Economist publicou uma reportagem de capa com a manchete “Índia intolerante”, em referência à CAA. A visita de Trump seria uma oportunidade de mostrar que a direita global se mantém articulada e que os conflitos internos não abalaram as relações da Índia com a maior potência do Ocidente.
Para o jornalista indiano Seema Guha, os fenômenos Modi, Trump e Bolsonaro têm semelhanças e diferenças, mas todos “refletem um momento em que a velha narrativa liberal está desmoronando e nada de novo ainda tomou forma para substituí-la”. À medida que um se aproxima do outro, as relações da direita global se fortalecem e todos conseguem capitalizar – ao menos, midiaticamente – esses encontros.
Mais política que economia
Professor do Centro de Estudos Econômicos da Universidade Jwaharlal Nehrun (JNU), Biswajit Dhar ressalta que há uma curiosa dicotomia nas relações Estados Unidos-Índia: “Se olharmos para o lado político e estratégico, vemos que há mais de uma década, desde a assinatura do acordo nuclear, a relação está se fortalecendo. Índia e Estados Unidos estão do mesmo lado nos principais temas internacionais, e as diferenças estão sendo eliminadas. Porém, na economia, as relações são tímidas e não vêm se tornando mais estreitas nos últimos anos”.
O próprio Donald Trump, ao comentar os motivos da visita, deixou claro que as aproximações com o país asiático são fruto de sua afinidade com Modi – apesar das rusgas no campo econômico. “A Índia vem nos prejudicando há muitos anos com suas altas tarifas, mas eu gosto muito do primeiro-ministro Modi. É meu amigo”, disse.
Um dos principais pontos de desentendimento são os subsídios do governo indiano aos agricultores, considerados muito altos pelos Estados Unidos. Trump busca formas de penetrar no mercado de laticínios e aves. Também há desacordos sobre o preço de frutas e dispositivos médicos.
Nada disso afeta a lealdade da Índia aos Estados Unidos no campo político. Depois que o governo Trump impôs sanções ao Irã, a Índia deixou de importar petróleo iraniano, restringindo suas opções de compra de combustível – quase sempre, gastando mais a cada barril.
O comércio entre Estados Unidos e Índia mais que dobrou nos últimos dez anos, chegando a US$ 142,6 bilhões em 2018. A desaceleração da economia indiana, porém, estagnou os negócios, e as políticas protecionistas adotadas pelos dois países não contribuem para alavancar as trocas. Por isso, a expectativa é baixa em relação a acordos comerciais.
Mesmo que nenhum acordo seja assinado, o impacto político e midiático da visita deve compensar as horas de voo. Em Nova Delhi, Agra e Ahmedabad, cidades que estão no itinerário de Trump, foram instalados dezenas de outdoors com as cores da Índia e dos Estados Unidos e mensagens de boas-vindas.
No estádio de Ahmedabad, primeiro destino do presidente estadunidense na Índia, o público deve superar os 100 mil. O governo indiano também espera 1 milhão de pessoas à beira da estrada para saudar Trump no trajeto entre o aeroporto e o estádio. Movimentos populares preparam atos em repúdio ao encontro nas três cidades, mas não devem chegar perto da dupla: o efetivo dedicado à segurança será três vezes maior que na visita de Bolsonaro.
Quarenta famílias que moram em uma favela a 1,5 km do estádio Motera, onde ocorrerá o evento “Namastê, Trump”, receberam uma notificação da prefeitura informando que precisarão evacuar o local na noite em que o presidente estadunidense estará na cidade. A prefeitura de Ahmedabad nega qualquer ordem de despejo ou evacuação por conta do evento, mas alega que estar realizando um pente-fino nas “residências irregulares construídas em terras públicas”.
* Com informações de Newsclick. Brasil de Fato