BRASÍLIA – Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou nesta quarta-feira que governadores e prefeitos têm poderes para baixar medidas restritivas no combate ao coronavírus em seus territórios. Eles podem determinar temporariamente o isolamento, a quarentena, o fechamento do comércio e a restrição de locomoção por portos e rodovias. Os ministros concordaram que governo federal também pode tomar medidas para conter a pandemia, mas em casos de abrangência nacional.
Os ministros também declararam que estados e municípios têm poderes inclusive para decretar quais serviços são essenciais durante a pandemia, determinando quais setores não devem paralisar suas atividades. A decisão fortalece governadores e prefeitos, que têm baixado decretos determinando o fechamento do comércio e de escolas. Por outro lado, enfraquece o presidente Jair Bolsonaro, que critica essas medidas, preocupado com a economia do país.
No fim de março, o ministro Marco Aurélio Mello já tinha tomado decisão nesse sentido. Agora, os demais ministros votaram pela manutenção da liminar. Apenas Luís Roberto Barroso e Celso de Mello não participaram do julgamento, que foi realizado por videoconferência e transmitido pela internet.
Mandetta: Ministro diz a subordinados que acredita que sua demissão está próxima
Segundo os ministros, o governo federal pode coordenar as diretrizes de isolamento a serem seguidas em todo o país, mas não tem poder para retirar a autonomia dos estados e municípios na gestão local. Por outro lado, governadores e prefeitos não teriam legitimidade para fechar uma rodovia e, dessa forma, prejudicar o abastecimento nacional.
– Não é possível que a União queira ter o monopólio da condução administrativa da pandemia nos mais de cinco mil municípios, isso é absolutamente irrazoável. Como não é possível que os municípios se tornem repúblicas autônomas dentro do Brasil, fechando seus limites geográficos, impedindo entrada de serviços essenciais. A Constituição estabelece a divisão de competências a partir da cooperação de interesses – disse Alexandre de Moraes.
Segundo o ministro, o Judiciário tem derrubado decisões consideradas exageradas. Moraes criticou a falta de atuação do governo federal na coordenação do combate à pandemia.
Secretário fica na Saúde: ‘Vamos trabalhar juntos até o momento de sairmos juntos’, diz Mandetta
– Se há excessos nas regulamentações municipais e estaduais, isso deve ser analisado. Mas, se isso ocorreu, é porque não há regulamentação geral da União sobre o isolamento. Já estamos chegando em 200 mortes em 24 horas – disse, completando: – Coordenação não é imposição, é respeito à autonomia, é liderança. Essa coordenação compete a União. Não é porque um estado ou município exagerou que nós devemos acabar com o federalismo, a justiça deve anular essas decisões.
Edson Fachin também cobrou coordenação do governo federal:
– A União exerce a sua prerrogativa sempre, desde que veicule uma norma que organize essa cooperação federativa. No silêncio da legislação federal, estados e municípios têm presunção de atuação. Na ausência de manifestação legislativa, não se pode tolher o exercício da competência dos demais entes federativos.
A decisão foi tomada no julgamento de uma ação do PDT contra medida provisória editada por Bolsonaro estabelecendo que as agências reguladoras federais deveriam editar restrições à locomoção. O partido argumentou que a Constituição Federal estabelece que saúde é atribuição comum da União, dos estados e dos municípios. Portanto, seria inconstitucional concentrar no governo federal a política de contenção do coronavírus.
A norma foi considerada uma forma de conter a atuação dos governadores na gestão da crise do coronavírus. No meio político, a MP foi vista como uma resposta às medidas de restrição de locomoção nos estados editadas pelos governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, adversários políticos de Bolsonaro.
– Federalismo cooperativo exige que seus integrantes se apoiem mutuamente, deixando de lado as divergências ideológicas e partidárias dos governantes. Federalismo cooperativo depende de diálogo – declarou Lewandowski.
Antes da votação, o advogado-geral da União, André Mendonça, disse que decisões isoladas de prefeituras e governos tem provocado “caos jurídico” e desabastecimento. Ele citou como exemplo municípios que suspenderam a atividade de exploração de petróleo e também normas restritivas para o transporte coletivo intermunicipal.
– Fechar um município é fechar o acesso a outros municípios, é fechar o acesso da população local a serviços essenciais, a medicamento, a material hospitalar e a uma série de providências.
Mendonça também afirmou que, segundo o Banco Central, foram baixadas 427 normas estaduais e municipais relativas ao funcionamento das instituições financeiras. Para ele, essas medidas devem ser tomadas pelo governo federal, em nome da unificação das orientações.
– Muitos dizem que vivemos uma crise de saúde. Mas é algo maior. Nós vivemos uma crise de Estado, porque é também crise de emprego, da economia, uma crise em função das desigualdades regionais, uma crise de infra-estrutura, de telecomunicações, de segurança pública, que envolve desabastecimento e impacto de energia. Se é uma crise tão complexa, é uma crise de caráter transdisciplinar. Os riscos também são complexos e serão amplificados, podendo levar a um caos social e institucional, ou à violência, se não houver coordenação e uniformidade da crise – afirmou o advogado-geral.
O advogado do PDT, Lucas de Castro Rivas, também afirmou que dar aos estados e municípios a competência para legislar sobre isolamento e regras de transportes na pandemia vem gerando transtornos. Ele citou como exemplo normas de prefeituras impedindo a entrada de pessoas de fora no município, o que pode ocasionar falta de prestação de serviços de telecomunicações e outras atividades essenciais.
Foto: Movimento no Centro do Rio na segunda-feira: capital registra maior número de casos e de mortes pelo coronavírus Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo. Globo