Nada óbvio sob o Sol

Para evitar que o absurdo se normalize, a cena convoca todos a denunciar obviedades

“Não sei o que esperar. Já foi ao astrólogo?”, ouvi de uma fonte, um dia desses, ao pedir uma leitura de cenário. Acabou o tempo em que habilidosos analistas podiam prever jogadas políticas e dizer que tal grupo forçaria um projeto ou bloquearia uma direção. 

Na falta de uma dinâmica clara, vale qualquer aposta absurda. E a gente se vê obrigado a levantar bandeiras que até ontem mesmo eram obviedades pacíficas: contra o racismo, pela democracia, educação, ciência, cultura, meio ambiente, Amazônia. É tempo de defender o óbvio, justamente porque não podemos mais contar com ele.

O mundo atravessa complexas turbulências, e elas abrem rachaduras para questionar tudo o que esteja estabelecido. O chacoalhão nas estruturas pode, no médio prazo, abrir oportunidade para se empreender um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável. O risco, entretanto, é imediato: voltarmos algumas casas no entendimento sobre o que seria de inconteste interesse público —justamente agora, quando já estamos à beira do precipício imposto pelas crises climática e ambiental. Foto acima (Queimada em Campo Grande (MS ), em agosto de 2019 – Saul Schramm/Governo MS)

Temos, afinal, uma década para cortar pela metade as emissões de gases-estufa. O desafio convida a novos modelos de negócio, como a geração distribuída de energia solar —não surpreende, portanto, a resistência das distribuidoras brasileiras de energia contra o subsídio ao setor. Mais um item na lista de obviedades a serem defendidas: a energia do Sol. 

Para evitar que o absurdo se normalize, a cena convoca toda a sociedade pensante a denunciar o óbvio: a galinha está sem cabeça, o rei está nu e a degradação ambiental já ameaça as gerações atuais —entre outras obviedades, hoje mais à sombra do que ao sol.Ana Carolina Amaral. Folha de São Paulo.