Nada impedirá que em 2022, o eleitor seja forçado a fazer uma operação bem simples de escolha entre a sanidade e a loucura

Se, depois de permitida pela Justiça, a descida do ex-presidente Lula à pista já tinha sinalizado nesta direção, a pesquisa Datafolha apontando recorde de rejeição ao presidente da República, divulgada ontem, a confirma. A bem da verdade, ainda faltam mais de 18 meses para a eleição que definirá o próximo mandatário do país, mas os sinais de agora apontam para pistas mais do que reveladoras. Caso a direita, a centro-direita e o centro permaneçam desinteressados em construir um nome alternativo ao de Jair Bolsonaro para 2022, provavelmente terão grande dificuldades para conseguir conter o avanço do petista na próxima sucessão presidencial.

O motivo é até simplório. Com sua sabedoria nata, a sociedade começa a avaliar, talvez tardiamente, que permitir a continuidade de Bolsonaro é garantir condições para o país permanecer afundando, tanto sob as consequências, inclusive sanitárias, de uma pandemia cuja fisionomia ninguém sabe qual será daqui a dois anos, quanto em decorrência de seus efeitos devastadores para uma economia que, desde o princípio, o governo se esforçou pouco para ajudar a melhorar e hoje, com o retorno da inflação, muito sensível, oferece sua face mais visível e cruel principalmente para os mais pobres ou empobrecidos pela ‘gripezinha’ fatal.

Diante do quadro que está aí, pintado por uma extrema-direita cujo lema, como se sabe, universal, é o de destruir sem colocar nada no lugar, e a perspectiva de substituí-lo por uma liderança cuja memória administrativa aponta em direção razoavelmente oposta, embora se possa questionar seus métodos e resultados, a polarização poderá assumir um confronto longe do tradicional, em que normalmente se oporiam programas e ideologias – mesmo porque nada há de programático nem de ideológico no atual governo – para uma oposição entre um binômio simples, que colocará a opção pela civilização como alternativa à barbárie para a qual o país parece se encaminhar.

Seria, de fato, um contexto curioso em que não estariam mais em jogo a disputa de projetos embalados por orientações de direita ou esquerda ou marcas como a da moralidade versus a da corrupção, mesmo porque foi sob a atual gestão que se assistiu ao enterro da Lava Jato, a maior operação contra a corrupção já realizada no país, e a comparação entre fatos já noticiados e outros que começam a vir a público envolvendo familiares dos dois postulantes, além da atração pelo Centrão, podem vir a ser percebidos pelo eleitor como de uma equivalência moral capaz de atenuar qualquer conflito neste campo, em benefício nítido, naturalmente, do petista.

Tudo isso para não falar, por exemplo, de uma campanha em que será inevitável cotejar feitos e realizações de ambos, com larga desvantagem para o atual presidente, e na qual, ainda que a crise venha a se aprofundar até lá, como as previsões apontam, o eleitor dificilmente aceitará a justificativa de que a baixa entrega do presente governo se deveu à pandemia, para cuja gestão, como as pesquisas de hoje evidenciam, aos olhos da população, o atual mandatário virou as costas. Enfim, nada impede que, em 2022, ante a mesma vazia polarização, o eleitor seja forçado, lastimavelmente, a fazer uma operação simples de escolha entre a sanidade e a loucura. Artigo do editor Raul Monteiro publicado na edição da Tribuna).Imagem, arquivo PT. Tribuna da Bahia