“Quando veio a pandemia, fui procurado por pessoas que moram em situação de rua dizendo que fazia dois dias que não se alimentavam. Combinei com meus companheiros de fazer um pouco de comida, e no dia conseguimos atender 20 pessoas. No dia seguinte, já 50 pessoas, no outro dia já tínhamos 200 pessoas”.
O relato é de Robson Mendonça, coordenador do Movimento Estadual da População em Situação de Rua.
Gaúcho, natural de Alegrete, Robson é um dos principais nomes na luta contra a fome, que avança pelo centro de São Paulo.
A ação organizada por ele distribui cerca de 700 marmitas todos os dias, de domingo a domingo. O trabalho é feito junto a outros cinco voluntários, pessoas que, assim como ele, já estiveram em situação de rua.
Uma delas é Renata Pantaleo, que há está no movimento há mais de 10 anos. “Eu gosto de ajudar porque eu já passei pela mesma situação que eles. Hoje me sinto gratificada, em poder ajudar. Dar uma comida quentinha, fresquinha, né? Porque aqui é tudo feitinho com amor”.
Outro voluntário é Marcos Gomes. Natural de Goiás, o técnico em informática veio para São Paulo em outubro do ano passado, não encontrou emprego e acabou nas filas de doação.
Recebeu ajuda do movimento, e após se estabilizar, segue ajudando na ação solidária. “É satisfatório ajudar alguém, enquanto tem um governo que não ajuda em nada. No meu ver a gente acaba fazendo muito mais do que era obrigação de quem deveria estar fazendo”, afirma.
Sem vacinas para todos, sem políticas que garantam direitos básicos à alimentação e moradia, mais pessoas têm engrossado a fila organizada por Robson. É o caso de Alexandre Esteves. É a primeira vez que ele tem que se alimentar por meio de doação.
:: Websérie discute adaptação dos movimentos populares na pandemia ::
“Eu estou há um mês desempregado. E agora eu estou quase indo para rua porque não tô tendo dinheiro para pagar aluguel. Nunca pensei em passar por isso na vida porque sempre tive uma certa estabilidade, que todo pobre tem, que é seu serviço. Mas infelizmente, agora eu estou totalmente sem dinheiro mesmo”, afirma.
A realidade que vemos no centro de São Paulo, infelizmente, não é um caso isolado. Pelo contrário, segundo pesquisa, Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mais de 116 milhões de brasileiros não têm comida suficiente ou passam fome. O número é mais da metade do número de brasileiros.
Além do desemprego, que cresceu durante a pandemia, a fome é agravada pela falta de políticas públicas de proteção, como destaca Luiz Kohara, do Fórum da Cidade de São Paulo.
“A primeira coisa seria o auxílio emergencial, mas com valores suficientes para as pessoas pelo menos garantirem o seu aluguel ou sua alimentação ou ambas. Quando no primeiro momento era de 600 reais encontramos pessoas que conseguiram pagar alguns meses uma pensão. Outras famílias disseram que, com aquele auxilio dava para fazer as compras.”
Para garantir a alimentação adequada, Kohara ressalta que é importante garantir também o direito à moradia. “Quando você perde a moradia, você não tem a proteção à saúde, não é possível você ter uma alimentação adequada, até porque não tem onde cozinhar. Na rua, um dia come, outro dia não come.”
Hospedagem
Em abril de 2020, a prefeitura de São Paulo aprovou a lei 17.340/2020, que estabelecia que o Poder Público poderia disponibilizar vagas de hospedagem em hotéis, para pessoas em situação de rua. O Ministério Público recomendou à prefeitura de SP a liberação de 8 mil vagas, porém somente 100 vagas foram abertas.
“A política para população em situação de rua nessa situação, principalmente agora o período frio, seria o acesso aos hotéis, foi feita uma lei estadual e municipal. Ela precisa ser cumprida, mas com números suficientes de atender todos que precisam dessa proteção”, diz Kohara.
Perguntada sobre o motivo da defasagem de oferta, a prefeitura não respondeu ao questionamento da reportagem.
Edição: Leandro Melito