Os indígenas resistiram à colonização — processo que dizimou inúmeras etnias. No entanto, segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com dados de 2019, há uma grave constatação: as ações movidas desde a posse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) são as mais letais desde o processo de colonização.
O documento de 216 páginas foi tema de um debate promovido pela organização não-governamental alemã FDCL e.V. Forschungs- und Dokumentationszentrum Chile Lateinamerika cujo tema foi “Qual a responsabilidade das grandes corporações estrangeiras sobre as violações contra os povos originários e comunidades tradicionais no Brasil?”
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Para o coordenador do Cimi Regional-Sul, Roberto Liebgott, o relatório busca, sobretudo, distinguir as violências praticadas por agentes do poder público das que são realizadas por pessoas físicas ou jurídicas caracterizadas como terceiros.
“No âmbito do poder público, a gente visa responsabilizar o governo pelas ações que levam a que se pratique violência contra os povos indígenas, a exemplos de discursos do presidente da República caracterizando os direitos indígenas como privilégios ou anunciando que não vai demarcar nenhum centímetro de terra. Então, o governo através do discurso sinaliza e autoriza para grupos que pretendem explorar terras indígenas que promovam as invasões”, afirma o coordenador.
Outro ponto levantado por Roberto Liebgott, e abordado no relatório, é o desmantelamento dos órgãos de fiscalização e proteção dos territórios.
“As ações e omissões do Estado brasileiro por meio de seus governantes são os maiores causadores das violências que se praticam contra os povos indígenas. Elas se dão de forma muito concreta através da invasão — para a prática da especulação das terras. São madeireiros que invadem para tirar madeira, garimpeiros, mineradoras clandestinas, grileiros, fazendeiros. Se tem um leque enorme de pessoas que adentram os territórios indígenas, a partir do discurso autorizativo do governo federal, bem como da sua estratégia de fragilização dos órgãos de proteção e fiscalização”, diz.
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Exploradores
Para além do governo federal, o relatório também cita empreendimentos, sobretudo, europeus que ocupam os territórios e usufruem indevidamente dos recursos minerais, ambientais e hídricos das terras indígenas. “O objetivo do relatório é dar visibilidade a isso no exterior para que saibam dessas práticas no Brasil”.
Verena Glass, coordenadora de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo, explica que o Cimi é parceiro da fundação no Brasil e auxiliou na tradução do relatório para o inglês com o objetivo que o documento possa ter repercussão internacional, seja nas Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outros.
“Conversando com a sede da fundação em Berlim houve um interesse de fazer uma difusão dos dados e dos números das violências contra os indígenas e ampliamos o debate, porque há um jornalista que é ligado ao FDCL, que publicou um estudo sobre os impactos das empresas alemãs em relação ao extrativismo e territórios brasileiros” afirmou a coordenadora.
Varena Glass se refere ao jornalista é Christian Russau, do FDCL e dos Acionistas Críticos, que produziu um estudo onde aponta responsabilidades de empresas alemãs ao participar direta ou indiretamente das violações dos direitos humanos no Brasil – e uma parcela também recaí sobre o próprio governo federal alemão. Segundo Glass, a ideia é levar as denúncias até o parlamento alemão, junto aos partidos europeus de esquerda que apoiam a iniciativa.
O que é a Fundação Rosa Luxemburgo?
É uma instituição de formação política com escritórios na África, América, Ásia, Europa e Oriente Médio. A organização procura contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática e igualitária, promovendo pesquisa, reflexão e debate sobre alternativas ao capitalismo.
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Fundada em 1990, em Berlim, a Fundação é uma instituição sem fins lucrativos vinculada ao partido A Esquerda (Die Linke, em alemão). Desde 2000, suas iniciativas de cooperação internacional e solidariedade contam com apoio do Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento e do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.
Edição: Lucas Weber. Foto, Funai.Brasil de Fato.