Hoje, as reivindicações dos agentes de segurança estão no centro do debate político nacional.
No Ceará, para onde o governo federal enviou as Forças Armadas e a Força Nacional de Segurança, há paralisação de PMs desde terça (18).
Nas primeiras 48 horas de motim, 51 pessoas foram assassinadas —uma por hora.
Na quarta-feira (19), PMs amotinados alvejaram o senador licenciado Cid Gomes (PDT) com dois disparos. Ele tentou invadir um quartel com uma retroescavadeira.
Em ao menos outros oito estados, como Alagoas, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, já há sinais de insatisfação nas tropas.
Com o projeto de lei, o governo quer estabelecer padrões de conduta e unificar a estrutura das Polícias Militares em todo o Brasil. Hoje, elas são regulamentadas por um decreto de 1983.
As normas em vigor definem a hierarquia das corporações, estabelecem a conduta das atribuições ostensiva e preventiva dos agentes e o código de ética, por exemplo.
O decreto, porém, é sobreposto por regras estaduais. O resultado é que não há uniformidade na estrutura das polícias do país.
Por isso, os PMs querem uma legislação de iniciativa do Executivo e usam como justificativa a necessidade de regulamentar parágrafo do artigo 144 da Constituição, segundo o qual uma lei definirá o “funcionamento dos órgãos de segurança pública”.
O debate sobre a proposta se estende desde o ano passado. PMs compõem importante base eleitoral de Bolsonaro desde o tempo em que o capitão reformado era deputado federal.
A influência da categoria no governo preocupa em razão do discurso de enfrentamento de Bolsonaro ao Congresso e ao Judiciário.
O receio é que o apoio do presidente inflame os ânimos e provoque uma escalada da violência no atual cenário.
Enquanto isso, policiais tentam emplacar pautas corporativistas no Congresso com apoio do Executivo.
Além da lei orgânica, Bolsonaro quer ampliar o escopo das causas excludentes de ilicitude, o que ampliaria as situações em que agentes que matassem em serviço estariam isentos de punição. A proposta enfrenta resistência.
Sobre as novas normas para as PMs, as discussões se dão no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de Sergio Moro.
O comandante-geral da PM de Santa Catarina, coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes, tem participado de reuniões com a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública).
Segundo líderes dos policiais, a ideia é enviar um substitutivo a um projeto de lei que tramita hoje na Câmara. A proposta, de 2001, é considerada obsoleta pelos PMs. A meta é encaminhar o novo projeto até abril.
“A lei orgânica estabelecerá padrões nacionais, propiciando que as Polícias Militares, sem perder sua natureza estadual, se alinhem mais fortemente a um conjunto de doutrina, princípios, conceitos e características mínimas nacionalmente”, diz Araújo.
À frente da empreitada dos PMs, o coronel ainda preside o Conselho Nacional de Comandantes-Gerais.
Para defender sua causa, Araújo cita como exemplos de comparação a Lei Orgânica da Magistratura e a do Ministério Publico.
Com a sua lei orgânica, policiais dizem acreditar que terão mais autonomia diante dos governadores.
As discrepâncias justificariam os pleitos. Em 13 estados, exige-se diploma em direito para que um oficial (tenente) ingresse na corporação. Em seis, o pré-requisito é ter ensino superior. Em sete, basta ensino médio completo.
O mesmo ocorre em relação à entrada de um praça (soldado), a patente mais baixa da hierarquia militar. Dez estados exigem o ensino superior para o ingresso.
A tendência é uniformizar a necessidade de ensino superior como pré-requisito, com um período de transição. Isso pode impactar os soldos e as contas de estados.
Outra proposta em estudo é criar a figura do general da PM, que teria duas estrelas, e valeria para comandantes e subcomandantes de tropas. Hoje, só há generais nas Forças Armadas. Eles acumulam até quatro estrelas.
Uma outra medida que deverá ser incluída na proposta é a previsão de dar o chamado poder de polícia administrativa a todas as PMs.
“Trata por exemplo da capacidade de avaliar, organizar e fiscalizar atividades no espaço público, por meio de licenças e multas, sem necessariamente criminalizar os infratores e suas condutas”, diz Araújo Gomes.
“[A proposta] Reduz a judicialização, a criminalização, o uso da força e fortalece a polícia comunitária e de proximidade”, afirma o comandante da PM de Santa Catarina.
Hoje, essa prerrogativa varia de estado para estado.
As propostas, porém, não são unânimes entre os PMs, principalmente entre os praças.
Presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares, sargento Leonel Lucas é favorável à diminuição das patentes das polícias.
Hoje, há quatro para praças —soldado, cabo, sargento e subtentente— e cinco para oficiais —tenente, capitão, major, tenente-coronel e coronel. Para ele, o ideal seria que houvesse apenas as figuras de soldado, sargento e capitão.
Na Câmara, o projeto de lei vai ser discutido sob a liderança do deputado Capitão Augusto (PL-SP).
O congressista disse que tem articulado a aprovação da matéria com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Maia criou, em dezembro, uma comissão especial para analisar o projeto de 2001, que será substituído. Oito partidos já indicaram membros para o colegiado.
Capitão Augusto reivindica a relatoria da proposta. Já Lincoln Portela (PL-MG) deverá presidir a comissão.
O capitão já conversou com Moro sobre o assunto. Segundo ele, o ministro colocou a Senasp à disposição.
De antemão, Capitão Augusto defende estabelecer o ensino superior como pré-requisito para a entrada na PM.
“O estado de São Paulo, a maior polícia do Brasil, não exige curso superior, nem para praças nem para oficiais”, diz. “Nossa preocupação é com qualidade [dos PMs], e não com quantidade.”
Essa medida, porém, também não é consenso entre os policiais.