Como o centroavante que começou como meio-campista terminou a temporada com 28 gols, seu melhor número da carreira, e virou artilheiro do Brasil aos 35 anos

Como o centroavante que começou como meio-campista terminou a temporada com 28 gols, seu melhor número da carreira, e virou artilheiro do Brasil aos 35 anos

— Você vai ver. O Renato está pensando em algo muito específico para o Diego. Pouca área de movimentação. 

O relato de uma fonte antes mesmo de Diego Souza ser anunciado pelo Grêmio resume o sucesso da jornada do artilheiro do Brasil na temporada 2020. 

Há 18 anos, Diego Souza estreava com a camisa do Fluminense após se destacar na interminável fábrica de craques de Xerém. Como volante. Um segundo homem de meio-campo forte e capaz de arrastar os adversários até a área rival, mas com a obrigação de retornar para marcar e compor a linha defensiva. 

Os últimos passos da carreira de Diego são tão colados ao gol adversário que transformam o espaço também em palco de comemorações. Foram 28 gols na temporada 2020, um à frente de um Gabigol em seu auge, o segundo colocado.

A maioria celebrado com uma simpática dança para a filha, Manu, direcionada para a câmera pendurada nas redes das metas. Número relevante para um veterano de 35 anos com aposentadoria marcada para o fim de 2021.

“Muitos davam por desacreditado e ele está aí. Ninguém faz tantos gols assim se não estiver rendendo. Eu coloco sempre em uma função que possa estar sempre presente na grande área do adversário. É a forma que gosto e quero que ele jogue. A idade chega para todo mundo. Não adianta exigir do Diego algo que não vai ter condições de fazer” (Renato Portaluppi, em entrevista ao ge)

Nos últimos anos, Diego Souza se reinventou diversas vezes e personificou como ninguém a expressão “metamorfose ambulante” criada por Raul Seixas. Foi se adaptando aos – diversos – grandes clubes pelos quais passou até chegar ao momento camisa 9. Na infância, era nadador e também competia no judô antes de se tornar jogador de futebol.

Viveu a melhor temporada da carreira – ao menos em número de gols marcados –, quando já tem na cabeça a ideia de parar de jogar, por mais contraditório que isso pareça. Aliás, antes de o Grêmio cruzar novamente o seu caminho, pendurar as chuteiras era uma alternativa.

— Ele apagou ali no Botafogo. O time todo estava apagado. E foi um presente dos céus ser contratado pelo Grêmio. Já estava até querendo se aposentar, parar mesmo. Mais um ano, renovou mais agora, estamos muito felizes pelo Grêmio. Foi uma vitória — diz ao ge Maria Cristina, mãe de Diego Souza.

Com a folga recebida do Grêmio, Diego Souza está no Rio de Janeiro com a família, a mãe, o pai Marco Aurélio, os irmãos Diogo e Douglas, os filhos Manu e Davi e a esposa Luciana Iunes. A primeira noite foi de churrasco, futevôlei e Uno.

O VOLANTE

A bola era companheiro inseparável do pequeno Diego, o mais velho dos irmãos Douglas e Diogo. O pai comandava uma escolinha em campos logo na frente de casa e treinava o filho. Amigos em Vasco e Botafogo prometeram testes, mas por uma ou outra razão, a coisa não andou.

Durante uma pelada de domingo, um amigo que trabalhava no Fluminense viu o óbvio talento e mandou-o para Xerém. O primeiro treino terminou com uma senhora broca de Marco no filho. Diego aparentava cansaço ao final da primeira etapa. Houve até promessa de não levá-lo de volta. Mas Maria Cristina dobrou o marido.

Diego Souza comemora gol pelo Grêmio em 2007 - Valdir Friolin/Agência RBS
Diego Souza Grêmio - Lucas Uebel/Divulgação Grêmio
Diego Souza em 2007 e em 2020
 
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Ali começava a rotina diária de dois ônibus do adolescente. Pouco mais de dois anos depois, estreava pelo Fluminense, em 2003, como um volante. Léo Moura, que também passou pelo Grêmio recentemente e hoje é empresário, era colega no grupo.

— Vendo como peguei o Diego em 2004, jamais passava na minha cabeça que viraria centroavante. Sempre foi de muita força, gostava de carregar e arrastar. Não conseguia ver ele em outra posição a não ser volante ou meia. A característica de força, usar o corpo, além do que é um cara tecnicamente muito bom, muito inteligente. Mas isso de ele ser um 9, foi uma coisa meio que surpreendeu — conta o ex-lateral.

A força física vem de berço. Dona Maria Cristina conta que passava maus bocados ao comprar tênis, principalmente, para o filho quando criança. Dois meses depois, o calçado já não servia mais, algo que não ocorria com os irmãos.

Essa força seria últil ao jogador para toda carreira, claro, mas especialmente em seu encontro como centroavante.

UM MEIA ANDARILHO

Naturalmente, Diego foi avançando em campo à medida que trocava de clube no cenário nacional. Entre a venda pelo Fluminense para o Benfica, em 2004, até 2014 foram 10 clubes na carreira. A falta de raízes é um ponto negativo citado nas conversas.

Em 2007, já no Grêmio, Diego Souza vivia fase de meia. Na campanha da Libertadores, por exemplo, Sandro Goiano e Gavilán formavam, geralmente, a dupla de volantes — Lucas Leiva esteve machucado boa parte da competição. Diego atuava mais como um meia direita e ocupava já uma faixa mais avançada.

Antes do futebol, Diego Souza fez natação e judô na adolescência - Arquivo Pessoal
Antes do futebol, Diego Souza fez natação e judô na adolescência – Arquivo Pessoal

Companheiro de Diego Souza no Tricolor naqueles tempos, Tcheco diz que já identificava algumas características que remetem ao Diego centroavante, uma versão mais recente.

— Na época ele estava se confirmando como uma promessa. Era um meia-atacante poderíamos dizer, tinha começado como volante. Tinha a força física. Consegue uma proteção de bola muito boa, tem recurso técnico que faz dele um grande jogador. No decorrer da carreira, foi se achando como centroavante, porque tem porte para isso. E é uma carência muito grande no futebol brasileiro. O Renato conseguiu extrair o melhor dele — destaca Tcheco.

– A gente imaginava que ele podia trocar de posição porque tinha porte para isso. Por exemplo, como alguns volantes que têm porte para jogar de zagueiro. É normal. Com ele a gente imaginava que poderia acontecer. Só ficava a dúvida se teria tanto sucesso quanto teve, graças a Deus – completa.

O COMANDANTE DO ATAQUE

Renato precisava de um centroavante titular para 2020 depois de experiências fracassadas com André, Diego Tardelli e Luciano. A alternativa mais em conta, livre no mercado, era Diego, que vinha de passagem apagada pelo Botafogo. A própria mãe do gremista lembra que o momento não era dos melhores.

Foram 10 dos grandes clubes defendidos ao longo da carreira. A identificação foi muito grande com o Sport, pelo qual conseguiu chegar à Seleção justamente como centroavante. Diego Souza foi convocado para o jogo com a Colômbia, no início de 2017, apenas com atletas em atividade no Brasil, e ali plantou a semente em Tite. Disputou grande parte da temporada 2016 como um meia atrás do centroavante André, mas já com poder de fogo aguçado.

Quando Gabriel Jesus se machucou, o treinador citou Diego como uma alternativa para aquela função. Foi chamado para jogos das Eliminatórias contra Uruguai e Paraguai. E fez crescer no jogador o projeto de tentar estar na Copa do Mundo da Rússia, em 2018.

— Naquele momento, a opção maior de continuar fazendo parte da Seleção era jogando nessa função mais avançada. E ele fazia muito bem, fez jogos muito bons pela Seleção, lembro contra o Uruguai. Acho que ele evoluiu muito, é um dos principais centroavantes do país e se desenvolveu muito no Grêmio — diz Daniel Paulista, técnico de Diego no Sport.

Gols Diego Souza - Infoesporte
Info gols Diego Souza - Infoesporte
Infoesporte

Paulista lembra de uma atenção específica no dia a dia para deixar o jogador mais confortável perto do gol, apesar de citar o mérito de Diego em se adaptar a todas as funções durante a carreira. A batida de falta e o jogo aéreo vêm de fora do campo, do lazer: do futevôlei. Que, aliás, Diego já correu para jogar na sua folga no Ri, na última quinta.

“Alguns trabalhos eram feitos para a gente evoluir na questão de finalização, de posicionamento mais ofensivo, dentro da área. Mas o mérito sempre foi total do atleta. Sempre foi muito inteligente no aspecto tático” (Daniel Paulista)

Depois da experiência na Seleção, Diego optou por deixar o Sport e ir para o São Paulo justamente em busca do sonho da Copa do Mundo. Foi sem definir se seria meia ou centroavante no Morumbi, mas ganhou a camisa 9. Transitou pelas duas funções mas sem o mesmo sucesso. Como no passo seguinte, o último antes do Grêmio.

A ida ao Botafogo encheu o coração da mãe, botafoguense, de alegria. Diego foi basicamente usado como centroavante em seu período no Glorioso, embora tenha sido recuado também em alguns momentos. No entendimento de Renato, precisava cumprir uma área muito grande em campo.

— Foram apenas nove gols em 41 jogos. É bom destacar, porém, que foi pouco municiado no período. Nunca deixou de assumir a responsabilidade de ser “o cara” do time. Batia faltas (fez gol assim contra o Flamengo) e pênaltis — lembra Fred Gomes, jornalista do ge e setorista do Botafogo em 2019.

No Grêmio, Diego Souza foi peça fundamental no título do Gauchão e para levar o time à final da Copa do Brasil, com derrota para o Palmeiras. E na anunciada última temporada da carreira, começou em alta, com três gols em uma partida, na vitória sobre o Ayacucho, do Peru, pela segunda fase da Libertadores. Sinal de mais uma reinvenção a caminho?Lucas Uebel/Divulgação Grêmio. Globo