O relógio não marcava nem 7h do último dia 12 e o caos já estava instaurado na Avenida Tomaz Gonzaga, em Pernambués. Uma fumaça preta subia e tomava conta do céu, anunciando para quase toda a cidade que o dia seria de transtorno na região. E foi. Teve fogo, congestionamento e quase dez horas com problemas no fornecimento de energia elétrica, telefonia e internet. O causador de tudo isso foi um dos mais de 4 milhões de postes da Coelba Neoenergia.
A poucos metros de distância, um outro poste já tinha sido motivo de transtorno para moradores da região há exatos seis meses antes. Os episódios não têm nada de coincidência e carregam uma distância temporal até longa quando comparados aos números desse tipo de incidente. Só no ano passado, Salvador teve praticamente um incêndio por dia nos postes da cidade: cerca de 25 ocorrências por mês foram registradas pelo Corpo de Bombeiros.
No final do ano passado, após episódios como esses de Pernambués, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) chegou a entrar com uma ação contra a Coelba e operadoras de telefonia que atuam no estado, para que elas fossem obrigadas a reestruturar essas instalações. Não adiantou muito. Semanas depois, dias antes do Natal, uma família perdeu a casa com um incêndio na fiação de um poste em Campinas de Pirajá. O casal havia se mudado há dois dias para o imóvel.
Emaranhado nas alturas
Não é tão difícil de perceber o que explica esses números e ocorrências. A Neoenergia Coelba costuma orientar seus seis milhões de consumidores a não sobrecarregarem instalações elétricas, mas a própria concessionária tem dificuldades de cumprir isso. Basta olhar para cima: um emaranhado de centenas de fios e cabos, energizados ou não, se aglomeram na mesma estrutura. Muitas vezes, nem é preciso tanto: fibras despencam, na altura de carros e pedestres, ou até se acumulam nas calçada das ruas. Mesmo com tantas belezas naturais e culturais, são eles, os fios, a marca registrada nas paisagens de Salvador
As distribuidoras de energia no Brasil alugam seus postes para empresas que prestam serviços de internet, telefonia e TV por assinatura. O valor cobrado pela Coelba por ponto de fixação em cada estrutura é de cerca de R$6, sendo 60% desse valor destinado à redução da tarifa de energia elétrica para consumidores baianos. Mas, com 4 milhões de postes, uma média de cinco pontos por estrutura, o faturamento ainda é um volume expressivo. Um relatório encomendado pelo banco BTG Pactual no ano passado apontou que o segmento fatura R$ 5,2 bilhões por ano com o compartilhamento de postes. E essa, claro, é apenas uma receita complementar. Cerca de 2% do que essas empresas movimentam.
Na maioria dos casos de ocorrências de incêndio em postes, a Coelba responsabiliza fiações clandestinas ou de empresas de telecomunicação. Mas há divergências sobre o assunto. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), em nota enviada ao Jornal Metropole, afirma que cabe à distribuidora de energia elétrica detalhar as regras de utilização e realizar a boa gestão dos postes, “atividade pela qual é remunerada pelos prestadores ocupantes”.
Uma miragem subterrânea
Desde 2001, uma possível luz no fim do túnel já dava sinais para os baianos. Era o projeto de lei do então deputado estadual Ângelo Coronel (PSD), que obriga a Coelba a tornar subterrânea toda sua rede elétrica e pôr fim ao emaranhado de fios expostos. Há mais de 20 anos, quando a internet banda larga ainda estava começando a se popularizar no país, o projeto já citava a necessidade de diminuir os altos índices de acidentes e outros transtornos causados pela fiação nas zonas urbanas. De lá para cá, a quantidade de fios e postes só aumentou.
O projeto só foi aprovado na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) em 2018. Chegou a ser arquivado e desarquivado em três situações. Até que foi aprovado e promulgado. Mas até lá, a Coelba tentou de tudo para impedir, alegava que a legislação sobre o serviço era competência da União e que seria necessário investimento de órgãos públicos para a instalação. Na época, já existia fiação subterrânea no Centro Histórico, Comércio, Farol da Barra, Largo da Mariquita, Jardim dos Namorados e as orlas de Itapuã e Piatã. Todas realizadas em parceria com a prefeitura ou com construtoras.
De acordo com a concessionária, a instalação e manutenção subterrânea era cerca de dez vezes mais cara que a aérea. Por isso, o projeto previa cinco anos para as mudanças na rede de salvador e 10 para as cidades do interior do estado. Em abril, o prazo para a capital baiana chegou ao fim e o dos demais municípios atingiu a metade, mas o percentual de rede subterrânea é quase insignificante: apenas 600 km de mais de 315 mil km de redes de distribuição da Coelba estão instalados debaixo da terra. Não chega nem a 1% do total. Brasília e os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, superam os 10%.
Ao Jornal Metropole, a Coelba se esquivou da responsabilidade. Afirmou que, “por uma questão de ordenamento urbano e competência institucional, projetos de rede elétrica subterrânea devem ser liderados pelo poder público para obter efetividade”. Além disso, disse que tem contribuído com os debates sobre o assunto.
Presença constante nos rankings de reclamação
No Nordeste, não tem para nenhuma outra concessionária. A Coelba é líder no ranking de número de reclamações, com mais 15 mil queixas no último ano, segundo relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Levando em conta a quantidade de residências atendidas, o índice é 50% maior do que a média nacional. Para quem tem dificuldades com números, é só olhar em volta. É difícil encontrar alguém que nunca tenha enfrentado quedas no fornecimento de energia ou cobranças indevidas.
No condomínio Encontro das águas, em Lauro de Freitas, por exemplo, moradores relatam que a escuridão já faz parte da rotina: ao menos duas vezes por semana ficamos sem energia elétrica. O resultado é uma conta ainda mais cara, com bombas e eletrodomésticos queimados.
A própria Rádio Metropole é um exemplo. Só neste ano, nossa programação já foi afetada em dois episódios por problemas no serviço de energia elétrica. Em junho, por exemplo, foram seis horas com a transmissão fora do ar. Tudo isso após um reajuste de 8,18% na tarifa, um das maiores do Brasil.
Missão Lobby da Luz
No mês passado, a concessão da Coelba completou 26 anos, trazendo uma boa notícia para o consumidor: o encerramento do contrato de 30 anos é logo ali, em 2027. Mas, mesmo se destacando nos rankings de reclamação e não cumprindo nem 1% do previsto pela lei de instalação subterrânea, a Neoenergia Coelba tem empregado esforços em uma missão para tentar renovar a concessão. O contrato prevê que faltando três anos para seu fim, a instituição pode pedir a renovação por mais 30 anos, sem que precise ocorrer uma nova licitação e concorrência com outras empresas. Caso não haja negativa do governo, haverá automaticamente a renovação.
A empresa começou mesmo a se preocupar com isso em março, quando deputados estaduais instalaram na AL-BA uma subcomissão para monitorar a revisão. A Comissão de Agricultura da Casa chegou a realizar uma audiência pública com a presença do então presidente da instituição, Luiz Antônio Ciarlini. Quem estava presente conta que o executivo foi “bombardeado de todos os lados”.
Meses depois, Ciarlini saiu da presidência e assumiu Thiago Freire Guth. Foi aí que começaram os trabalhos para melhorar o relacionamento com a Casa: a assessoria e até mesmo representantes da empresa passaram a estar cada vez mais presentes na assembleia. Pelo menos a cada 15 dias, para responder a demandas dos parlamentares. A avaliação é que a Coelba está mais aberta ao diálogo, mas isso não basta. Ao Metro1, o secretário do Desenvolvimento Rural, Osni Cardoso (PT), resumiu o sentimento dos baianos: “os sinais de melhoras não dão conta da demanda que a Bahia precisa”