Bloomberg chega ao 2º lugar nas pesquisas, vai a debate e embaralha jogo democrata

Partido muda regra e qualifica bilionário e ex-prefeito de Nova York para evento desta quarta

A candidatura de Michael Bloomberg à Casa Branca ganhou novos contornos nesta semana e mexeu de vez com o tabuleiro do Partido Democrata.

O ex-prefeito de Nova York se qualificou pela primeira vez para participar de um debate, na noite desta quarta-feira (19), depois que o comando da sigla eliminou um critério que o deixava de fora das discussões.

Até janeiro, os candidatos precisavam ter uma quantidade mínima de doadores individuais para debater com os concorrentes e, como o bilionário financia sua própria campanha, não preenchia o requisito.

No entanto, seu crescimento vigoroso na média das pesquisas nacionais —Bloomberg alcançou nesta terça (18) o segundo lugar, atrás do progressista Bernie Sanders— fez com que o partido mudasse as regras do jogo.

Ex-prefeito de Nova York e pré-candidato democrata à Presidência, Michael Bloomberg foi eleito e reeleito prefeito de Nova York pelo Partido Republicano  – Jeff Kowalsky – 4.fev.20/AFP

Mais uma controvérsia para o roteiro pouco ortodoxo que começou a ser desenhado em 24 de novembro.

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Com uma estratégia arriscada e o assumido figurino de bilionário —criticado pela forte ala progressista dos democratas—, Bloomberg anunciou sob ceticismo que iria concorrer à vaga para a eleição contra Donald Trump. 

Disse que não participaria das quatro primeiras prévias, em Iowa, New Hampshire, Nevada e Carolina do Sul, e que só disputaria a Super Terça, em 3 de março, quando 14 estados realizam suas primárias ao mesmo tempo.

As quatro regiões que inauguram a eleição interna só escolhem 155 dos quase 4.000 delegados que vão nomear o candidato do partido, em julho, mas tinham valor simbólico até este ano.

Diante da confusão na contagem de votos em Iowa, no começo de fevereiro, Bloomberg assistiu à formação de sua tempestade perfeita.

O fracasso inicial do ex-vice-presidente Joe Biden —que amargou o quarto e o quinto lugar nas primeiras prévias— abriu espaço entre os moderados para um novo favorito que duelasse com Sanders.

Enquanto os centristas Pete Buttigieg e Amy Klobuchar tentavam ocupar o vácuo deixado por Biden —até então o mais forte para derrotar Trump—, Bloomberg corria por fora e, longe dos ataques dos adversários, gastava parte de sua fortuna avaliada em US$ 61 bilhões para inundar os EUA com a mensagem de que só ele é capaz de impedir a reeleição do presidente.

Desde o ano passado, Bloomberg pagou mais de US$ 310 milhões em anúncios no rádio e na TV que mostram sua época como prefeito de Nova York, de 2002 a 2013, e exaltam seu ativismo em defesa da política contra armas e contra o aquecimento global. 

Segundo a NBC News, ele gastou mais de US$ 1 milhão por dia em propaganda patrocinada no Facebook e contratou especialistas em memes para abarrotar as redes sociais contra Trump.

Filho de um imigrante polonês e de uma americana, ambos judeus, Bloomberg nasceu em Massachusetts, formou-se em engenharia elétrica e começou a carreira no banco de investimentos Salomon Brothers.

Na década de 1980, usou o cheque de rescisão de US$ 10 milhões que recebeu do banco para fundar a Bloomberg L.P. Aos 78 anos, hoje ele é dono de um dos maiores impérios de tecnologia e mídia do mundo e quer usar também essa expertise para se vender como preparado para unir o partido e gerir o país.

Bloomberg sempre foi democrata até resolver entrar para a política: ele se registrou como republicano em 2001 para disputar a prefeitura de Nova York. Foi eleito e reeleito.

Bilionário já investiu US$ 310 milhões do próprio bolso na campanha  – Go Nakamura – 13.fev.20/Reuters

Em 2007, deixou o Partido Republicano, dois anos após a reeleição. Em 2009, elegeu-se novamente, mas desta vez como independente apoiado pelos republicanos.

Ele voltou ao Partido Democrata em outubro de 2018.

A costura entre jogo político e gasto desenfreado de seu dinheiro tem surtido efeito na embaralhada corrida presidencial deste ano.

A força iminente, porém, incomodou adversários e também o colocou em primeiro plano para ataques de Trump e dos próprios democratas, além de notícias que relembraram episódios contestáveis de sua trajetória.

Na semana passada, por exemplo, circulou na internet um vídeo de 2015 em que Bloomberg diz que a melhor forma de diminuir a violência causada por minorias é “jogá-las na parede e revistá-las.” 

A expressão faz referência ao “stop and frisk” (em inglês, parar e revistar), medida praticada pela polícia de Nova York quando ele era prefeito da cidade e muito criticada por ter como alvo principalmente os negros e latinos.

Bloomberg pediu desculpas pelas declarações e disse que deveria ter encerrado a política considerada discriminatória.

Outro caso, revelado pelo jornal The Washington Post neste fim de semana, tratava de discriminação e assédio contra mulheres dentro da empresa do bilionário.

Uma das funcionárias afirmou que, quando Bloomberg soube de sua gravidez, disse para ela “matar isso aí”, o que o empresário nega.

Os candidatos democratas cobraram respostas do bilionário e devem abordar essas e outras de suas fragilidades no debate desta quarta, em Nevada, a três dias das primárias no estado.

Junto com Elizabeth Warren, que perdeu fôlego mas segue em quarto lugar nas pesquisas, Sanders explora o fato de Bloomberg ser o 9º homem mais rico do mundo e ex-republicano, o que personificaria a desigualdade junto a eleitores negros e latinos —parcela fundamental entre os que votam nos democratas.

“Eu tenho um problema sério com multibilionários literalmente comprando eleições”, disse o senador por Vermont.

​​Bloomberg tenta balancear essas críticas ao defender propostas com apelo entre os eleitores mais à esquerda, como a volta dos EUA para o Acordo de Paris e a redução de até 50% dos gases de efeito estufa até 2030, além de prometer a revisão de medidas de Trump que restringem a imigração. 

Mas ele é contra o saúde grátis para todos, principal bandeira de Sanders e Warren, e diz que a taxação dos mais ricos deve ser feita de maneira menos agressiva, ao contrário do que pregam os progressistas.

Do lado dos moderados, a estreia de Bloomberg no debate desta quarta deve trazer à tona o novo dilema do partido: até que ponto vale desgastar um nome que parece ganhar força contra Trump para tentar se manter vivo na embaralhada disputa do centro? 

Mais uma vez, a divisão ideológica dos democratas será colocada à prova, numa corrida em que está cada vez mais difícil saber quem será capaz de unir a legenda. Para os que querem vencer Trump a todo custo, Bloomberg virou uma opção competitiva. Para os que querem uma novidade genuína, que faça mudanças estruturais no país, ele não deve ser nem considerado.


OS NÚMEROS DE MICHAEL BLOOMBERG

78 anos

US$ 61 bi é a sua fortuna

12 anos é o período em que foi prefeito de Nova York

9ª pessoa mais rica da lista da Forbes

US$ 8 bi é o valor que já doou a causas como controle de armas e mudança climática

88% é sua cota da agência de notícias Bloomberg, que ele fundou

US$ 30 mi é o valor que já gastou em anúncios na TV desde que lançou sua campanha, em novembro


PESQUISA MAIS RECENTE

Bernie Sanders 25% 
Michael Bloomberg 17%
Joe Biden 13%
Pete Buttigieg 11%
Elizabeth Warren 9%
Amy Klobuchar 5%

WASHINGTON.
Matéria, Folha de São Paulo