Há cerca de duas semanas, enquanto a chef Carey Evans varria a calçada do restaurante Canuck’s Poutinerie, na Vila Mariana, foi surpreendida por um morador de rua. O homem, Ricardo Lacerda, tentou vender a ela uma mochila, que achou em uma de suas buscas diárias de material reciclável.
Durante a conversa, o rapaz logo reconheceu um sotaque no português da sócia do estabelecimento (Carey é canadense). Os recém-conhecidos engataram um bate-papo. A educação e o fato de o rapaz falar inglês surpreenderam a profissional. O diálogo acabou rendendo a ele uma oportunidade de emprego: a cozinheira o convidou para trabalhar como garçom.
Depois de uma entrevista mais formal no dia seguinte, Lacerda foi contratado. “Decidimos dar uma oportunidade a ele”, conta Luana Desie, outra proprietária da Poutinerie. “Fiquei muito feliz!”, lembra ele. O tipo físico do bonitão também chamou a atenção das donas do endereço.
Luana, então, tirou uma foto do jovem e postou no Facebook. “Se alguém precisar de modelo ou ator para comerciais, catálogo, etc, nosso garçom, Ricardo (morador de rua), está buscando oportunidades”, diz o post. “Ele está procurando por oportunidades para crescer, e achamos que a beleza dele seria um diferencial”, afirma Luana.
Quem é Ricardo Lacerda?
Nascido na capital, o paulistano de 31 anos não morou sempre na rua. Até os 19 anos, vivia com a família no bairro do Paraíso. Pela relação difícil com o pai, acabou saindo de casa e perdeu o contato com os parentes.
“Queria fazer faculdade de educação física, mas meu pai dizia que se eu quisesse estudar precisaria sair de casa”, lembra. Entrou no ensino superior, cursando administração, mas manter a rotina de trabalhar como vendedor em uma loja de roupas e conciliar os estudos ficou insustentável financeiramente. “Não estava dando certo, abandonei a faculdade.”
Contudo, nunca deixou de lado seus hábitos. “Gosto muito de malhar”, conta ele, que utiliza os equipamentos de exercícios da prefeitura espalhados pela cidade. Além do corpo, vem também a preocupação com a alma. “Medito bastante, mesmo morando na rua”, relata.
Muita sorte
“Estava passando com material de reciclagem e ofereci algo que tinha encontrado, uma mochila. Ela não quis, mas disse que tinha um emprego”, lembra com alegria Lacerda, do primeiro encontro com Carey.
O trabalho coincidiu também com outra ajuda. “Conheci uma família que tem me acolhido, me deixa tomar banho por lá e dormir”, celebra. “Me dão amor e carinho, coisas que não tive na minha infância. Sou muito grato às pessoas que estão me ajudando a levantar.”
“Se ele não tiver lugar para dormir, sempre digo que pode falar com a gente”, diz Luana. Além do novo emprego, o rapaz vê de forma positiva a possibilidade de conseguir oportunidades como modelo. “Quando tinha 16 anos, fiz trabalhos para marcas como Brooksfield e Renner. Tenho experiência”, lembra.
Com entrevista marcada em uma agência paulistana, Lacerda se vê grato pelo que já mudou em sua vida. “Eu gosto de trabalhar como garçom. Acho que faço bem o serviço”, orgulha-se.