Por: Rodrigo Daniel Silva – Repórter; Guilherme Reis – Editor de política e Paulo Roberto Sampaio – Diretor de redação
Perto de concluir o segundo mandato como prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM) faz, nesta entrevista para a edição especial de 51 anos da Tribuna, uma análise dos quase oito anos como chefe do Palácio Thomé de Souza. Relata os momentos mais difíceis como gestor soteropolitano, como o enfrentamento à pandemia do coronavírus e a decisão de não ser candidato a governador da Bahia em 2018.
“(A prefeitura) me transformou e me transformou muito. Me transformou tanto do ponto de vista do homem público, político quanto do ponto de vista da pessoa ACM Neto, da visão de vida. Eu tive, ao longo de oito anos, a oportunidade de conhecer muito profundamente a alma dessa cidade e conviver com realidades, que eu já convivia, mas não na intensidade que passei a conviver”, disse.
Ainda na entrevista, Neto fala sobre os arrependimentos e o futuro político após deixar a administração soteropolitana no final de dezembro. Declara a admiração por figuras políticas, como o ex-primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill, o ex-presidente dos EUA, Barack Obama, e a atual chanceler alemã Angela Merkel. Também revela o interesse da sua filha mais velha, Lívia, que tem 13 anos, pela política. “Ela gosta muito de política. Agora, no futuro se ela vai ser ou não vai ser (política), não é uma decisão minha”, disse o prefeito.
Tribuna – O senhor está perto de encerrar o ciclo como prefeito de Salvador. Na sua avaliação, qual será o seu maior legado?
ACM Neto – É difícil a gente apontar um único aspecto. Acho que, de certa forma, o legado é a mudança da cidade. Ter uma cidade hoje no patamar completamente diferente daquela que nós encontramos há oito anos. É óbvio que se pode destacar diversos aspectos. Primeiro, do ponto de vista administrativo e financeiro, a cidade estava quebrada, não podia andar com as próprias pernas, tinha dívidas com Deus e o mundo, sem nenhuma credibilidade no passado. A gente mudou essa realidade. Hoje, Salvador tem uma gestão respeitada, considerada a primeira em termos de gestão fiscal do Brasil. Passou a ter a capacidade de investir com recursos próprios, contratar grandes projetos com financiamentos arrojados internacionais e nacionais. Conseguiu expandir, de maneira significativa, os investimentos na área social. Houve uma ampliação nos serviços de saúde, educação, assistência social. Os indicadores são muito contundentes dos avanços que a cidade teve. Então, a gente pode, nos mais diferentes setores da vida da cidade, destacar essas mudanças. Por isso, eu diria que o legado é um pouco da somatória de cada uma dessas coisas, que se traduz no sentimento majoritário de que a cidade é muito melhor.
Tribuna – No futuro, como o governo do senhor será lembrado?
ACM Neto – Acho que a gente quebrou muitos paradigmas. Lembro que, em 2012, eu tive que enfrentar uma campanha eleitoral marcada por acusações injustas, que nós só pudemos desfazer depois que assumimos a prefeitura. Demos prioridade aos investimentos nas áreas mais carentes, tivemos avanços na educação e saúde, avanço na política de inclusão, na valorização da política de reparação, de igualdade social, racial, gênero, apoio à comunidade LGBT ao longo desse período. Muitas coisas que eram preconceitos construídos por uma retórica política dos nossos adversários tivemos condições de desfazer, desmontar ao longo dos últimos oito anos. Agora, na campanha política, quando eles repetem esses velhos discursos, não cola. Por exemplo, dizem: “trabalham pelas áreas mais ricas e não pelas áreas mais pobres”. Isso não cola. Os números mostram que 80% dos investimentos são nas áreas mais carentes. As pessoas vivem isso no dia a dia, nos bairros. A gente conseguiu quebrar várias barreiras, vários estigmas que existiam. Tenho certeza que (a quebra desse estigma) será importante para qualquer outra eleição que eu venha disputar daqui para frente. Em 2012, eu lembro que tivemos um mapa eleitoral em Salvador e a cidade era dividida. Eu venci, principalmente, nas áreas de classe média e média alta. Em muitos bolsões de pobreza, eu perdi. Passados oito anos, é o oposto. Às vezes, a gestão é melhor avaliada nas áreas mais carentes do que nas áreas mais nobres. Isso é reflexo do trabalho que foi feito neste período.
Tribuna – Qual foi o maior aprendizado ao longo dos oito anos? A prefeitura te transformou como ser humano?
ACM Neto – Não tenho dúvida. Me transformou e me transformou muito. Me transformou tanto do ponto de vista do homem público, político quanto do ponto de vista da pessoa ACM Neto, da visão de vida. Eu tive, ao longo de oito anos, a oportunidade de conhecer muito profundamente a alma dessa cidade e conviver com realidades, que eu já convivia, mas não na intensidade que passei a conviver. Principalmente, no que se refere à desigualdade dessa cidade, as injustiças históricas que aconteceram ao longo de anos, a necessidade de reparação social. Uma coisa que não se resolve em oito anos. É preciso ter muitos e muitos governos olhando e focando isso. Do ponto de vista pessoal, eu me tornei uma pessoa muito mais resiliente, muito mais paciente. Tive que lidar com situações de extrema pressão desde o começo. Não houve um período de relaxamento, descanso. E, para não viver estressado, não ter um treco, eu procurei aprimorar muito essa coisa da resiliência diante de situações de alta pressão. Isso foi muito importante para minha vida como pessoa, como ser humano.
Tribuna – O senhor se arrepende de algo que fez como prefeito? Tem algo que gostaria de ter feito e não fez?
ACM Neto – Claro que alguns arrependimentos a gente tem. Arrependimento da escolha de alguns auxiliares, mas aprendi que tudo está relacionado ao tempo.
Tribuna – Quais são os auxiliares que o senhor se arrepende de ter nomeado?
ACM Neto – Não vou (dar os nomes). Engenheiro de obra pronta é fácil. Avaliar hoje é mais fácil. Agora, é óbvio que com a experiência que adquiri e a vivência que tenho hoje, em algumas áreas e alguns momentos, eu teria feito outras escolhas. Mas não que isso tenha comprometido, de maneira alguma, o nosso governo. Esse é um ponto que destacaria. Talvez, um projeto ou outro que depois se mostrou mais complexo, mais delicado para ser executado. Agora, essa coisa de arrependimento é uma coisa que não tenho muito em minha vida. Quando vejo que alguma coisa não deu certo, eu procuro deixar para trás. Aprender e deixar para trás. Eu não fico remoendo, ruminando, eu prefiro ver as decisões certas que tomei, e aprender com as que eventualmente eu poderia ter tomado de maneira distinta.
Tribuna – Qual foi a decisão mais certa que o senhor tomou nos oito anos?
ACM Neto – Essa eu sei. A decisão de ter concluído o meu mandato, de não ter renunciado em 2018, de não ter deixado a prefeitura para ser candidato a governador. Essa foi a decisão mais certa que tomei nos oito anos da minha gestão tanto do ponto de vista político quanto do ponto de vista administrativo.
Tribuna – Muitos aliados disseram, na época, que o senhor foi egoísta e acabou prejudicando o grupo político ao não ser candidato a governador.
ACM Neto – A questão é a perspectiva, né. Egoísta com quem? Com alguns políticos que não compreenderam a minha decisão? Ou, caso renunciasse, eu teria sido egoísta com 3 milhões de soteropolitanos que confiaram em mim? Eu fiz uma opção clara, evidente, que foi pela minha aliança com as pessoas, pela palavra que eu tinha dado, pela clareza da necessidade de concluir um projeto. Foi o momento político mais difícil da minha vida. Não como gestor ou como prefeito, mas como político foi o momento mais difícil. Logo depois daquela decisão, as principais pessoas que estavam ao meu redor não escondiam a decepção, frustação, chateação. Muitos ou quase todos, que integram o meu grupo, desejavam (a minha candidatura a governador). Graças a Deus hoje, com o tempo transcorrido, a grande maioria percebe e entende que eu fiz a coisa certa. Mas ali foi um momento decisivo na minha vida. O mais importante que eu tive que enfrentar até hoje. A decisão mais importante que tive que tomar, e graças a Deus o tempo mostrou que tomei a decisão certa.
Tribuna – Como gestor, qual foi o momento mais difícil nos oito anos de governo?
ACM Neto – Até a pandemia, o momento mais difícil tinha sido aquela chuva de 2015, com certeza. Incluindo a pandemia, sem dúvida, a pandemia (foi o momento mais difícil). Eu não esperava que iria enfrentar o maior desafio (como prefeito em oito anos) no último ano. A gente tinha preparado tudo para que 2020 fosse o ano da redenção, de colher todos os frutos, de consolidar os principias projetos, de entregar as grandes obras. Na minha cabeça, em 2020 só teria uma preocupação que é a eleição. Veio a pandemia e inverteu todas as prioridades, tudo mudou. Tive o maior desafio de toda a minha vida. Não só da minha vida pública, mas de toda a minha vida.
Tribuna – Adversários dizem que o carnaval de Salvador contribuiu para a disseminação do coronavírus na cidade, e que a prefeitura deveria ter suspendido a festa. O senhor concorda com a crítica?
ACM Neto – Isso é uma inverdade. Primeiro, porque não havia nenhuma evidência do coronavírus ou do risco da pandemia no Brasil quando o carnaval aconteceu. A pandemia começou a disseminar no Brasil logo depois da conclusão do carnaval. Se a pandemia já estivesse presente no carnaval, com duas milhões de pessoas na rua só em Salvador, imagine o que teria sido. Teria tido um contágio, uma contaminação em massa, em uma proporção que nenhum outro lugar do mundo viveu. Então, isso (de que o carnaval disseminou a Covid-19) é uma falácia, uma mentira. Se a pandemia estivesse aqui (no carnaval), teria sido um desastre. Graças a Deus, passados oito meses da pandemia, eu posso dizer, com muita tranquilidade e orgulho, que vencemos a fase crítica.
Tribuna – Qual a lição que a pandemia deixa?
ACM Neto – Vou mudar a perspectiva da pergunta. Acho que deve ser: “qual a lição que ela deve deixar?” Acho que a lição principal deve ser: nós temos que sair mais unido como humanidade. A gente tem que entender que esse imenso planeta está absolutamente conectado. Uma doença que começou em Wuhan na China veio bater no Subúrbio de Salvador. Quanto mil quilômetros de distância nós estamos? O povo do Subúrbio jamais imaginou em conhecer Wuhan na China, como eu também não conheço. O mundo hoje está conectado, integrado. Isso tem a vantagem e a desvantagem. Qual é a lição que tem que sair disso? Nós precisamos ser mais solidários. Temos que reconhecer que existe gravíssimas desigualdades sociais, injustiças que precisam ser atenuadas, e não aprofundadas. A pandemia traz o sério risco de produzir uma concentração maior de riqueza. A curto prazo tem o efeito dos auxílios, que atenua o impacto na classe mais pobre, mas isso vai passar. E o que a gente vai ter? Uma economia mais concentrada, os ricos ainda mais ricos, e muitos pobres ainda mais pobres. Eu receio que a humanidade não retire as lições que poderiam e deveriam tirar da pandemia.
Tribuna – De que maneira, o senhor pretende participar da gestão de Bruno Reis, caso ele seja eleito prefeito de Salvador neste ano?
ACM Neto – Só participarei quando chamado, convidado. Não vou ficar metendo o meu bedelho onde não for chamado. Se tem um problema que eu e Bruno não teremos jamais, é dúvida sobre quem vai exercer efetivamente o poder, o comando. Ele, se Deus quiser, será eleito prefeito e governará a cidade. Tenho plena confiança nas condições políticas e gestão para que ele possa conduzir a cidade nos próximos quatro anos. Agora, ele próprio tem dito que vai me querer como conselheiro, vai me pedir ajuda quando entender que é necessário, eu vou estar inteiramente a disposição para ajudá-lo.
Tribuna – Como o DEM vai sair desta eleição?
ACM Neto – O DEM vai sair muito maior do que entrou no Brasil todo. Nós temos nove candidatos a prefeito de capitais. Todos bastante competitivos. Sete deles em primeiro ou segundo lugar nas pesquisas, em centros importantes. Temos 1.145 candidatos a prefeito, mais de 30 mil candidatos a vereador. Vamos crescer muito e crescer de maneira organizada. Crescer a partir da base, com consistência. Não vai ser um crescimento por cooptação.
Tribuna – Quais são os próximos planos políticos do senhor? O próximo desejo a realizar é ser governador da Bahia?
ACM Neto – O meu horizonte, claro, para 2022. Em que posição do time eu vou jogar ainda não está definida. O mais provável é uma disputa para o governo do Estado. Mas muita água ainda vai correr por debaixo da ponte. Não sou de colocar o carro na frente dos bois. O que posso garantir é que, nos próximos dois anos, eu vou trabalhar muito. Não me vejo acordar uma segunda-feira sem agenda. Não me vejo não trabalhando pelo menos 12 horas por dia. Isso é da minha vida, da minha natureza. Vou trabalhar muito. Vou ter um escritório político que será na sede do Democratas na Bahia. Já estamos definindo essa estrutura. Vou fazer a organização do partido na Bahia ao lado do presidente do partido, Paulo Azi. Vou dialogar com outros partidos da minha base. Vou dedicar um bom tempo para atualizar o meu conhecimento sobre o interior. Sempre tive uma relação muito forte com o interior, mas há oito anos estou mergulhado em Salvador. Vou montar uma equipe técnica de profissionais da Bahia e fora da Bahia para estudar o estado, para estudar o presente e pensar alternativas para o futuro. Vou fazer trabalho nacional. Estarei toda semana em Brasília pela presidência do partido, ajudando a estruturar um projeto do Democratas para 22. Então, não vai faltar trabalho.
Tribuna – Quem são hoje os seus conselheiros políticos?
ACM Neto – Eu converso com muita gente dentro e fora da política. Não tenho conselheiros apenas na política. Às vezes, o sujeito que está fora da política lhe ajuda a enxergar numa perspectiva que você, dentro da política, não está vendo. Agora, dentro da política, tem muita gente que converso, deputados, colegas de partidos. Eu ouço muito. Essa é uma virtude que tenho. Eu sei que não conheço tudo. E, antes de tomar qualquer decisão importante, eu procuro ouvir. Se eu citasse uma pessoa, eu estaria excluindo várias outras. Então, seria injusto com as que não forem citadas.
Tribuna – Quais as figuras políticas que o senhor admira, além do ex-senador ACM, seu avô?
ACM Neto – Tenho admiração a algumas personalidades da vida pública tanto contemporâneas como passadas. São líderes que, de certa forma, nos inspiram e que a gente procura se espelhar.
Um exemplo do passado é Churchill. É o cara que eu já li as biografias todas dele, assisti vários filmes. Para mim, foi um líder marcante. Na atualidade, no plano internacional, eu admiro muito tanto o Barack Obama quanto a Angela Merkel. São dois líderes de primeira linha na política internacional, contemporânea. No Brasil, se eu começar falar, eu vou ser injusto. Aí procuro ficar mais reservado neste caso.
Tribuna – O senhor acha que da família Magalhães sairá mais políticos? Suas filhas manifestam interesse pela política?
ACM Neto – Depende (risos). Minha filha mais velha gosta muito de política. Ela é muito politizada, acompanha. Interessante porque, como não consigo assistir o horário eleitoral no horário certo, eu assisto pelo telefone mais tarde. E ela faz questão de assistir todo dia comigo, opina, tem posições muito forte. Ela gosta muito de política. Agora, no futuro se ela vai ser ou não vai ser (política), não é uma decisão minha. Será uma decisão dela. Se me perguntar: você vai preparar uma filha ou um filho seu para política? Não, nesta perspectiva, não. Mas, se um dia uma filha minha quiser, tiver disposta a entrar na política, ela terá todo o meu apoio.