No período de três dias, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu desrespeitar feio as pessoas que vivem com HIV, demonstrando ignorância, intolerância e preconceito. Começou na última quarta (5) quando, ao defender o programa de prevenção à gravidez na adolescência da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), afirmou que uma pessoa com HIV representa “uma despesa para todos no Brasil”.
No sábado (8), ao reclamar das reportagens sobre o tema, referiu-se aos soropositivos como “aidéticos”. Disse que tem “pena” deles e que faltou a eles “uma mãe, uma avó que pudesse dar orientação para não começar a fazer sexo tão cedo.” “Estou levando porrada de tudo quanto é grupo de pessoas que tem este problema lamentavelmente”, queixou-se, culpando mais uma vez os jornalistas.
Levando porrada com razão, presidente. É inadmissível o dirigente de uma nação falar tamanhos absurdos. Para começo de conversa, políticas que propõem abstinência sexual para adolescentes são sabidamente ineficazes, segundo diversas revisões científicas. E, em última instância, até prejudiciais por impedir a discussão da sexualidade, da tolerância e do respeito à diversidade.
Agora, vamos ao artigo 196 à Constituição Federal: a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Pessoas com HIV, diabetes, hipertensão e tantas outras doenças têm direito ao tratamento. Por que o incômodo apenas com os soropositivos? Ah! Porque essas pessoas podem ter exposto ao risco tendo relações sexuais desprotegidas.
Vamos lá: o senhor pensaria da mesma forma em relação a um diabético ou hipertenso que se tornou doente por obesidade e sedentarismo? O caminho é esse mesmo? Responsabilizar os doentes e isentar o Estado de garantir o acesso à saúde para todos?
Outro ponto importante que é preciso deixar muito claro sobre a tal “despesa”. Uma pessoa com HIV que segue o tratamento corretamente e tem sua carga viral indetectável não transmite o vírus. Portanto, a terapia antirretroviral é também investimento em prevenção, sem contar que traz bem-estar a essas pessoas.
Há décadas que o termo aidético é considerado preconceituoso, estigmatizante. As pessoas com HIV só desenvolvem a Aids, um conjunto de sinais e sintomas, quando seus organismos não conseguem mais se defender das doenças oportunistas, causadas pela baixa imunidade. Portanto, chamar alguém de aidético é estigmatizá-lo, tornando-o sinônimo de uma doença que, muitas vezes, ele nem chegou a desenvolver.
Bolsonaro também parece ignorar que não são apenas os adolescentes que se infectam com o vírus da HIV. Embora os homens jovens, pretos e gays continuem sendo o grupo mais vulnerável, há muitas mulheres casadas que contraíram o vírus de seus maridos. Entre os idosos, também há crescimento dos casos. Em São Paulo, houve um salto de 15% entre 2017 e 2019, segundo a Secretaria Municipal da Saúde.
No Brasil, entre 2007 e 2017, os diagnósticos de HIV cresceram sete vezes entre esse público. Mas praticamente não há campanhas preventivas ou políticas públicas voltadas para ele, mesmo que hoje os idosos estejam mais ativos sexualmente do que nunca por conta dos aplicativos de paquera e o livre comércio de medicamentos para disfunção erétil.
E aí, presidente? Vai propor política de abstinência sexual para os casais e idosos também?
As falas de Bolsonaro remetem aos anos 1980, início da epidemia do HIV/Aids. Destilam o mesmo preconceito e discriminação que ainda perseguem os soropositivos e atravancam o controle da epidemia no país. A sociedade civil não pode se calar diante disso.